A família está ao redor da mesa ao meia dia. É Domingo. Apenas começaram com a sopa e já grita a campainha. “Logo agora”, diz a mãe. O pai olha para o filho mais velho, e este resmunga: “Porque exatamente agora?” Mas ele vai abrir.

Lá está um desconhecido, mostrando cansaço de subir as escadas. Bem vestido, simpático. “Bom dia”, diz o homem, “aqui estou. Espero que não tenha chegado atrasado”. O menino pergunta: ”Quem é o Senhor? Será que não errou a porta? Afinal, a quem é que o Senhor quer visitar?” O homem responde: “A família Muller. Sei que estou certo. Você não é Walter Muller?” – “Sim”, diz o jovem, “mas eu não o conheço”. Nisto, o visitante já começa a desabotoar o manto.

O filho não sabe o que fazer e chama por socorro: “Pai, venha ligeiro”. Este aparece diante da porta, fazendo esforço para dominar o mal-estar. Não dá tempo para dizer: “Quem é? O que quer? Porque vem nos incomodar exatamente no Domingo?” O homem já deu os poucos passos no seu rumo, já achou o cabide para o manto e deu a mão a ele, dizendo: “Bom dia, Senhor Muller. Vejo que já começaram. Sinto muito.” E o Senhor Muller pega a mão dele, nem sabe porque. Mas quando agora pergunta: “Quem é o Senhor?” a entoação já é diferente como se fosse alguns segundos antes. É quase uma pergunta normal; o Senhor Muller não sabe mais o que pensar. Realmente: Que homem é este? No meio-dia dominical?

A família toda já se levanta e está atrás do Senhor Muller na frente da porta. O homem diz: “ Eu creio que vocês nem sabem o que aconteceu há pouco?” – “Não”, diz Senhor Muller. “Meu Deus, o que terá acontecido?” pergunta Senhora Muller. “Nada de fazer medo, mas algo aconteceu. Venham todos para a janela e olhem para fora”. Com passos leves o homem entra no apartamento e vai na frente de todos para a janela. “Vejam. Tudo está como sempre. Os telhados, as árvores, a linha do trem, os altos prédios. Tudo como sempre. Só que as pessoas lá embaixo na rua andam um pouco mais leves e mais desembaraçados como de costume. E a diferença é só esta”. O visitante se volta e olha para todos. Eles reconhecem o olhar grande e bondoso que ele tem. “O que aconteceu foi só isto. O mundo mudou neste instante no coração das pessoas. Sem eles saber quem mexeu com eles. Mas de repente eles têm vontade de querer bem um ao outro. E é por isto que todos são felizes”.

Por um momento, todos se calam, até que a Senhora Muller pergunta: “Não entendo. Um desconhecido vai tocar nossa campainha. O Senhor nos conhece, sim?” Ele dá uma gargalhada e diz: “ Será que eu poderia trancar esta novidade em mim? Tinha que dizer para alguém. E porque não para vocês”? Todos dão um sorriso, e o pai vai ao assunto: “Porque deixamos a sopa esfriar?” Logo o filho mais velho traz mais uma cadeira para a mesa, e a mãe vai atrás de mais um prato.

Norbert Lohfink

Kurzgeschichten 4, von Willy Hoffsummer

O que foi que aconteceu?

Nada de anormal. O almoço solene como sempre. A “privacidade” que não quer ser incomodada. Nesta “normalidade”, um invasor bate na campainha e desconserta tudo. O homem não tem nome, pois é o INOMINÁVEL. Ninguém o conhece, mas ele conhece a todos. Ele entra como SENHOR que não pede licença. Não liga para a estranheza: isto passa. Ele sabe que sua presença convence logo.

O autor da história, que é exegeta, apresenta este homem como “o Senhor que virá das núpcias”. Os seus servos deveriam esperar por ele atrás da porta. A família Muller não ficou esperando, mas o Senhor não se zanga: antes pede desculpa pela demora.

Nós esperamos a VOLTA DO SENHOR COM GLÓRIA E PODER. Esperamos em vão já faz mais de dois mil anos. Aliás, nem esperamos mais. Nosso mal estar reclama: Exatamente no Domingo! Pois é, nem se lembram mais que o Domingo é DO SENHOR?

Antes desta VOLTA GLORIOSA tem outra, uma VOLTA COTIDIANA, como teste da fé. Tão normal como a chegada de um visitante, com chapéu e casaco. Ele não traz lição difícil. Só mostra para a rua e o convívio humano. O sinal é o alivio: o povo tem coragem de largar a corrida da competição e olhar para o outro. Nasce a leveza, o bem querer, e o mundo todo se renova. A salvação é tão simples? Nós estávamos esperando sinal de trombeta e de trovões.

Quem é o Senhor? Faz vergonha esta pergunta: Ele vem a nós e os seus não o conhecem. Mas Ele resolveu não se importar. Por causa da MUDANÇA que só ele percebeu, já que foi causada por Ele mesmo. Com sua chegada, é claro que tudo será renovado.

A VOLTA DO SENHOR não é uma despedida deste mundo? Parece que não. A promessa não é de comer com ele? O Senhor é descomplicado. È só trazer mais um prato. O céu pode ser aqui mesmo.

Familia Muller teve sorte. Mas poderia ter sido família Silva ou Soares. Você já sabe. Preste atenção na campainha.

Tradução e interpretação frei Adolfo Temme,

Teresina dia 29 de 11 de 2008

Obs: O autor é Frade Franciscano, nasceu na Alemanha em 1940.
Chegou ao Brasil como missionário em 1964. Depois de completar os estudos em Petrópolis atuou no Piaui e no Maranhão. Exerceu trabalhos pastorais nos anos 80 em meio a conflitos de terra. Desde 1995 vive em Teresina no RETIRO SÃO FRANCISCO onde orienta pessoas na busca da vida espiritual.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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