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A partir do próximo domingo, as Igrejas cristãs mais antigas do Ocidente entram no que chamam de “tempo do Advento”. São quatro semanas nas quais as comunidades são chamadas a reavivar a esperança fundamental que temos na vida. É importante ligar isso com a celebração anual do Natal, como festa da renovação da humanidade, simbolizada em Jesus. O objetivo é nos alimentar na esperança de um mundo renovado.

Para quem crê, a esperança não consiste apenas em aguardar algo que se deseja e sim em viver de acordo com aquilo que se espera. Na etimologia do termo latino (spes), a esperança significa tornar presente agora aquilo que é desejado ou esperado para amanhã. A esperança nada tem a ver com a ilusão do futuro. Ao contrário, a verdadeira esperança nos enraíza no presente, no aqui e agora, para nos abrir à plenitude do que podemos ser.

Assim a esperança nos transforma, como também transforma o mundo. É claro que não estamos falando de uma esperança qualquer. No caso de uma comunidade judaica ou cristã, a esperança é o próprio coração da fé. O que se espera não é fruto de nossa imaginação ou de nossos desejos. O objeto da esperança é o que Deus quer e prometeu para a humanidade. As culturas humanas podem dar nomes diferentes. Os povos indígenas chamam de “bem-viver”. Os evangelhos chamam de “reinado divino”.

Assim sendo, essa esperança é muito característica da fé bíblica. Ela não depende da conjuntura favorável. Não pode ser prisioneira de nossas vitórias ou conquistas. Nem refém dos resultados. Se assim fosse, deixaria de ser a esperança que nos faz orar cada dia: “Venha a nós o teu reino”.

A esperança que Deus deposita em nós é humilde, pobre e teimosa. Sofrida e rebelde como a esperança dos profetas e do profeta Jesus. Como a esperança da mãe-Terra, que em meio aos ataques do sistema opressor, geme de dor. No entanto, não deixa nunca de gerar flores e sinais de vida nova. Nossa esperança se realiza aqui e agora, mas é movida pelo Infinito e se dirige ao Infinito. É dom do Espírito e a ela nunca poderemos renunciar ou rejeitar. Ao contrário, ela é a teimosia de saber que nossa luta é invencível. Que podemos ter perdido algumas batalhas e ainda perder outras, mas a luta continua e, como dizem os índios em Chiapas, sul do México: “Nós somos um exército de sonhadores. Por isso somos invencíveis”.

É compreensível que nosso olhar sobre o Brasil atual, principalmente depois dessas eleições e sobre o próprio mundo, nos traga a tentação da desesperança. Diante das notícias cotidianas que nos assaltam, muita gente mais consciente se sente atordoada.

Isso torna mais urgente a nossa tarefa de reavivar a esperança, tanto dentro de nós mesmos, como em nossas relações familiares e sociais. Nas comunidades, é preciso realimentar a esperança como ensaio do reinado divino no mundo. Por isso, temos de partir da fé e desenvolver uma espiritualidade sócio-político libertadora. Isso significa viver a fé e a busca da intimidade com Deus não só no íntimo do coração, mas na luta por uma sociedade mais justa e por um mundo de acordo com o projeto divino.

Para quem participa de grupos cristãos, esse é o projeto do tempo do Advento. Temos de vivê-lo de modo que alimente nossa esperança e nossa atuação nas bases da sociedade e na inserção nos movimentos sociais. Nas Igrejas, é urgente retomarmos a ceia de Jesus, não apenas como culto piedoso e clerical, mas como alimento de comunhão e resistência. Assim, a ceia eucarística se tornará profecia antecipadora de um mundo de partilha e sinal maravilhoso de nosso bem-querer, movido pelo Espírito e que pode transformar o mundo. Será uma maravilha poder responder ao que o autor da primeira carta de Pedro propunha: “Estejam sempre prontos/as a prestar contas da esperança que existe em vocês” (1 Pd 3, 15).

Obs: O autor é monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares.
É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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