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Consequências do retrocesso são previsíveis: mais crianças fora das escolas, mais mortes à espera do SUS e menos segurança e habitação – Créditos: Lula Marques/Folha Imagem/PT
Segundo Paula Puliti, jornalista e autora do livro “O juro da notícia”, publicado em 2012 pela Editora Insular, de Florianópolis, o capital financeiro apropriou-se do noticiário econômico no país a partir dos anos 1980 e, desde então, tem feito dos meios de comunicação a principal plataforma de defesa do modelo neoliberal vigente no Brasil e no mundo.
No livro, fruto de sua tese de doutorado orientada por Bernardo Kuscinsky na Escola de Comunicação e Artes da USP, a jornalista escreve que, para esse modelo, o que importa nas economias periféricas é assegurar a gestão macroeconômica a serviço da acumulação do capital financeiro, do capital portador de juros, do rentismo, assentado na combinação das políticas monetária e cambial como pilares do processo de formação, reprodução e administração da dívida pública nas contas do tesouro dos estados nacionais.
O mote fiscal do Estado deixa de ser a aplicação das receitas de impostos e contribuições para promover o investimento na infraestrutura, na expansão e na qualidade dos direitos sociais, e seu pressuposto passa a ser se submeter às práticas de austeridade, do arrocho ou da “responsabilidade fiscal”, expressão mais palatável ao senso comum e, por isso, transformada em símbolo da boa gestão fiscal dos governantes.
Acontece que, como bem revelou Gerson Lima em “Economia, Dinheiro e Poder Político”, de 2012, Editora Ibpex, de Curitiba, nos capítulos 6 e 7, a Lei de Responsabilidade Fiscal não passou de um sistema de contenção de gastos de pessoal no conjunto das receitas correntes líquidas, porém deixando livres, sem restrições, os gastos financeiros com os juros e a amortização da dívida pública, o que, de certa forma, nos faz lembrar os fundamentos da recente Emenda Constitucional 95, de 2016, a famigerada emenda do corte de investimentos sociais e de infraestrutura por 20 anos no país.
Quando o país acabara de avançar nos mecanismos de financiamento da educação e da saúde, indo além das referências inseridas na Constituição Federal de 1988, garantidoras da vinculação de receitas orçamentárias para os referidos campos de políticas sociais, com a destinação de 50% do fundo dos royalties do pré-sal para a educação e a saúde (a emenda original de 50% para a educação foi de minha autoria, como deputado federal), eis que Temer aprova em 2016 a Emenda 95, que impõe retrocessos criminosos sobretudo nas políticas de assistência social, no financiamento das metas do Plano Nacional de Educação e no fortalecimento do SUS, há anos subfinanciado.
As consequências desse retrocesso são previsíveis: mais crianças fora das creches, das escolas de educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio. Ampliação do risco de morte nas emergências do SUS, precarização da atenção integral à saúde da mulher, ampliação dos casos de morte por câncer de mama e de colo de útero, das mortes por aborto sem atendimento médico adequado, com a insuficiência de recursos para o fortalecimento do SUS, da atenção básica às emergências, à média e alta complexidade. O mesmo se aplica ao fortalecimento da segurança, da habitação com dignidade, passando pelo saneamento ambiental integrado, agora cada dia mais longe de sua universalização com qualidade.
O desvio de recursos das mais diferentes áreas sociais para permitir a redução do preço do óleo diesel, frente ao recente protesto dos caminhoneiros, é apenas um café pequeno comparado à brutalidade dos cortes de verbas previstas no orçamento, promovidos em função da vigência da Emenda Constitucional 95 e a transferência dessas economias para a conta dos juros e da amortização da dívida pública. A gestão fiscal de Temer e seus aliados é, portanto, criminosa, como são criminosos todos os que a sustentam no parlamento, nas entidades empresariais e nos meios de comunicação, agindo contra os direitos sociais fundamentais.
Diante disso precisamos nos fortalecer, denunciando essa violência fiscal e suas estruturas políticas de sustentação, bem como enfrentando os fundamentos que a alimentam no campo macroeconômico, como as decisões de combate à inflação, a gestão da política cambial, a timidez tributária contra os ricos e o peso covarde da tributação regressiva e indireta contra os pobres, trabalhadores e assalariados.
Por isso é nosso dever retomar nas ruas as mobilizações para a garantia dos direitos atacados pela Emenda Constitucional 95, bem como construir uma ampla frente de esquerda, com Lula livre, que dispute com unidade de propósitos as eleições de 2018, ainda que com mais de uma candidatura à presidência no primeiro turno nesse campo.
Tais iniciativas representam os dois pilares fundamentais para derrotarmos o avanço do projeto ultraneoliberal ancorado pelo golpe de 2016, fazermos expressivas bancadas de esquerda nos parlamentos estaduais e no parlamento nacional, Câmara e Senado, elegendo ainda governadores que enfrentem a cartilha do arrocho fiscal, da precarização dos serviços públicos e das privatizações do patrimônio dos estados exigidas pela Lei Complementar 159, da renegociação da dívida dos estados com a União.
Fortalecer o potencial de enfrentamento da sociedade civil contra o golpe e suas reformas, no campo e nas cidades, ao mesmo tempo em que ampliamos nossa força política nos governos e nos parlamentos são nossas tarefas essenciais nesse momento.
Obs: O autor é professor e Mestrando em Educação na UFPE
Foi Deputado Federal 2003-2014.
Criador e 1º. Coordenador da Frente Parlamentar de Combate à Corrupção (2004)
Na Câmara Federal foi autor da PEC 162, propondo o Plano Nacional de Desenvolvimento Urbano.