(professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio,
decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio *)
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Após as eleições, paira no ar uma sensação de depressão pós-parto.  Tanto em vencedores como em vencidos. Os que tiveram seus candidatos eleitos esperam preocupados como se delineará a governabilidade.  Os primeiros gestos, decisões, semeiam mais insegurança que firmeza.  Desconcertam, angustiam. Parece que não se entende os rumos de um tempo diferente com outro estilo que começa.

Os que foram derrotados nas urnas se dividem.  Alguns optam pela oposição, resistência e combate cerrados.  Outros preferem esperar para verificar, pagar para ver ou até deixar que o adversário vencedor fracasse e mostre sua verdadeira cara.  Apostam que a governabilidade inexistirá e então a incompetência de uma vitória indevida mostrará sua verdadeira face de ilegitimidade e incapacidade de responder aos desafios e responsabilidades concedidos pelas urnas.

Em todo caso, o que temos é um país dividido, desencontrado.  Famílias se indispuseram ou até, em alguns casos, cortaram relações entre seus membros.  Amizades de anos foram interrompidas e palavras de acusação e raiva pronunciadas onde antes reinava harmonia e companheirismo. Relações foram perdidas e parece muito difícil refazê-las. Em suma, o panorama nacional mostra um tremendo desencontro.

Enquanto isso, o papa Francisco fala da importância de construir uma cultura do encontro. Não se trata certamente de um discurso piedoso e fácil adotado pelo pontífice para dizer a todos que se amem e respeitem sem nenhuma dificuldade ou obstáculo.  Longe disso.  Para o papa, a cultura do encontro é um estilo de vida e uma atitude, fruto de uma experiência e um itinerário pessoal, agora proposta à Igreja e à sociedade como um todo.

Diante da cultura do fragmento, da desintegração e da divisão é importante, afirma o pontífice, não favorecer os que pretendem capitalizar o ressentimento, o esquecimento das relações vividas e desfrutadas, ou os que se deleitam em debilitar vínculos e laços.  Esse seria, a seu ver, o caminho para superar os desencontros que sucedem na sociedade.

Tão importante é a construção da arte do encontro, que antes mesmo de Bergoglio o poetinha maior de nosso país, Vinicius de Moraes, disse: “A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida.”  Com sua imensa sensibilidade, queria o poeta ressaltar algo que é constitutivo e visceral no ser humano: sua vocação para a relação, para o afeto, o amor, aquilo que configura e realiza o que chamamos encontro.

Assim também parece entender o papa.  Quando ainda era arcebispo de Buenos Aires, Argentina, várias vezes se empenhou em instar a seus compatriotas a superar os desencontros e refundar os vínculos sociais, políticos, na abertura e na esperança. Agora, desde o Vaticano, onde lidera a Igreja e fala também ao mundo, Francisco não se cansa de repetir esse convite, que consiste em abrir-se à alteridade do outro, aproximar-se, vincular-se, construindo com esperança uma nova mentalidade, um novo estilo de vida, uma nova cultura, onde seja possível o encontro, o diálogo e a comunhão.

Há que admitir que é muito difícil.  A tentação do desânimo diante desta proposta vem carregada da pesada tinta da impossibilidade.  Como dispor-se ao encontro e ao diálogo com quem parece querer conduzir o país na direção oposta daquela em que acreditamos? Como apostar em um possível consenso com pessoas e grupos que parecem falar outra língua, oposto idioma àquele em que acreditamos, que detém os códigos comunicacionais da justiça, do direito, da paz e da prosperidade?

Mais: como fazer esta busca de encontro, consenso e acordo se transformar em verdadeira cultura, que procura o que une em lugar do que divide, e não recua diante de nenhum gesto, atitude ou palavra que possa fazer acontecer  a solidariedade e a comunicação? É duro acreditar que isso poderá ocorrer, sobretudo quando escrevo este artigo no momento seguinte à decisão que liquida com a presença dos médicos cubanos no Brasil e não há como não se pensar que uma represália política deixará na orfandade sanitária milhões de pessoas nos lugares mais pobres e vulneráveis do país.

É duro, porém mais que nunca necessário.  O encontro pode acontecer, mesmo com dificuldade, quando há ao menos um objetivo comum. E este existe e está diante de nossos olhos.  Todos queremos o bem do país.  Todos queremos o povo brasileiro respirando com liberdade, esperança, vendo a perspectiva de um futuro melhor para seus filhos e netos. Enrijecer-se nas divisões certamente não ajudará o Brasil a conseguir esse objetivo.

O povo brasileiro, sempre inspirado na arte de sobreviver a toda impossibilidade, de esperar contra toda esperança e alegrar-se mesmo e sobretudo sem motivo algum, tem agora diante de si este desafio: tornar-se perito na arte do encontro. Aprofundar as divisões não nos levará longe.  É preciso, é urgente desarmar espíritos e buscar possíveis consensos. Sem eliminar o respeito às diferenças, a resistência ao que é nefasto, a denúncia do indefensável. A difícil arte do encontro deve fazer-se ainda que em meio a esse mar de desencontros em que vivemos agora. O Brasil merece e precisa.

 Obs: Maria Clara Bingemer é  autora de  “Mística e Testemunho em Koinonia” (Editora Paulus), sua mais recente obra, entre outros livros.

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