Djanira Silva 1 de novembro de 2018

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Todas as coisas precisam de nome. Também eu, para ser e existir, preciso de um e de uma história que fale de mim, que me invente, me construa, revele meu negativo. Do contrário não irei além do agora.
Eu bem poderia me chamar Serena, Rosa, ou Gertrudes.
Do ontem, notícias. No amanhã esperanças. A vida se esvai, o corpo se vai, o nome se planta: aqui jaz. Moída e remoída, descartável, reciclável.
Concebida sem pecado, nasci da infância de uma menina, que virou adolescente, que virou mulher, que virou saudade. Até hoje me dói mudar de alma.
Refém, da vida e da morte, das sombras e da saudade, dos frutos maduros e do cheiro do resedá, ouvi histórias da carochinha e fui expulsa do paraíso.
Troco de alma a cada instante. As cobras trocam de pele: Quem sabe, se me comportar bem serei recriada? Então nascerei flor, e viverei como disse o poeta o espaço de uma manhã, voltarei borboleta ou nuvem azul, pirilampo prateado nas folhas do mamoeiro ou, nas cores da madrugada, abelha colhendo dos frutos maduros, lágrimas de cristal.
Voltarei, sei que voltarei. Pelos caminhos deixei migalhas de sofrimento e de prazer, lágrimas e sorrisos, achados e perdidos.
Construirei passagem para o outro lado com os sonhos que não desencantei. Armarei minha tenda, entre folhas de palmeiras e réstias de sol, cantarei canções, inventarei histórias, não deixarei nunca de contar estrelas.
Não quero fazer castelos nem de areia. Esquecer de tudo quanto vi, da casa de chocolate de Joãozinho e Maria, da caixa de Pandora, do pé de feijão mágico, do sapatinho de Cinderela de brincar de pega-ladrão e coelho sai.
Terei tudo quanto nunca tive. Farei meus gostos, vestirei azul para o primeiro baile, serei anjo de procissão com asas de verdade, passarei as noites de Natal pendurada na corda do sino, ou na corda bamba do circo, usarei pernas de pau, nariz de palhaço, andarei de bicicleta, montarei Pégaso, enfrentarei Medura trocarei de pele com a menina moça namoradeira, que escondeu a aleluia para ver o mundo acabar, e a quem importa que eu me chame Rosa, Gabriela, Michaela ou Gertrudes?
E o verbo se fez carne e habitou entre nós para sempre amém.

Obs: A autora é poetisa, escritora contista, cronista, ensaísta brasileira.

Faz parte da Academia de Artes e Letras de Pernambuco, Academia de Letras e Artes do Nordeste, Academia Recifense de Letras, Academia de Artes, Letras e Ciências de Olinda, Academia Pesqueirense de Letras e Artes , União Brasileira de Escritores – UBE – Seção Pernambuco
Autora dos livros: Em ponto morto (1980); A magia da serra (1996); Maldição do serviço doméstico e outras maldições (1998); A grande saga audaliana (1998); Olho do girassol (1999); Reescrevendo contos de fadas (2001); Memórias do vento (2003); Pecados de areia (2005); Deixe de ser besta (2006); A morte cega (2009). Doido é quem tem Juízo (2012); Saudade presa (2014); O Sorriso da Borboleta (2018)
Recebeu vários prêmios, entre os quais:

Prêmio Gervasio Fioravanti, da Academia Pernambucana de Letras, 1979
Prêmio Leda Carvalho, da Academia Pernambucana de Letras, 1981
Menção honrosa da Fundação de Cultura Cidade do Recife, 1990
Prêmio Antônio de Brito Alves da Academia Pernambucana de Letras, 1998 e 1999 
Prêmio Vânia Souto de Carvalho da Academia Pernambucana de Letras, 2000
Prêmio Vânia Souto de Carvalho da Academia Pernambucana de Letras, 2010
Prêmio Edmir Domingues da Academia Pernambucana de Letras, 2014

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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