Ainda apresento queixa em delegacia. Objeto central: as pancadas que tenho recebido dos passageiros que passam, nas viagens semanais que faço, sentado no corredor, onde religiosamente me alojo. É certo que, depois de muito apanhar, aprendi a me defender. O passageiro passa e eu me inclino para a direita, tentando entrar no espaço da cadeira do meio. Às vezes, dá certo. Outras, distraído, já perlustrando algum livro, termino sofrendo nova agressão. Poderia estar acostumado, pela reiteração da pancadaria. Mas, dor é dor, sobretudo quando é física. Um dia, chegou ao cúmulo de, no meio das agressões, ter meu óculos atingido. E depois, como ia ler algum texto, indaguei a mim mesmo, um tanto espantado. Quis ensaiar um protesto, invocar algum inciso dos direitos fundamentais assegurados pela Constituição. A minha timidez não permitiu. Quando os passageiros se acomodam em suas respectivas cadeiras, as agressões encontram seu ponto final. Para meu sossego. Graças a Deus.

Para o leitor não se impacientar com minha reclamação e falta de reação, explico: são as sacolas portadas nas costas o instrumento letal que tem me atingido sempre, por me sentar no corredor. Não há solução. Lá vem a pessoa, com a dita cuja nas costas, parecendo uma tartaruga, e pronto, começo a tremer de medo, na certeza de nova agressão estar a poucos passos em minha frente. É só o passageiro se inclinar um pouco para o meu lado, e, não tem jeito, o peso de sua sacola vem de encontro ao meu ombro esquerdo, pum, e eu, mesmo sentado, vou ao nocaute com facilidade.

Já pensei em mandar para o Congresso Nacional um projeto de lei no sentido de ser proibido entrar com sacola nas costas em qualquer aeronave comercial. Desisti com o receio de passar por ridículo. Como não gosto de viajar na cadeira do meio, onde fico espremido pelos dois desconhecidos vizinhos, e, não admito me sentar na poltrona da janela, por puro medo – que ninguém passe adiante -, a solução, enquanto legislação a respeito não se torna uma realidade, é viver sempre o mesmo drama, ou seja, a mesma agressão. As sacolas, arre, em minha direção, e, eu, arre outra vez, querendo reagir com um revolver imaginário… 22.12.14

Obs: Publicado no Diario de Pernambuco
[email protected]
Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


busca
autores

Autores

biblioteca

Biblioteca

Entrelaços do Coração é uma revista online e sem fins lucrativos compartilhada por diversos autores. Neste espaço, você encontra várias vertentes da literatura: atualidades, crônicas, reportagens, contos, poesias, fotografias, entre outros. Não há linha específica a ser seguida, pois acreditamos que a unidade do SER é buscada na multiplicidade de ideias, sonhos, projetos. Cada autor assume inteira responsabilidade sobre o conteúdo, não representando necessariamente a linha editorial dos demais.
Poemas Silenciosos

Flickr do (Entre)laços
[slickr-flickr type=slideshow]