Paulo Rebêlo 15 de novembro de 2018

(www.rebelo.org)

É incrível como todo mundo quer se dar bem no sábado à noite. Coisa meio sobrenatural. Não importa o lugar ou a pessoa. Tem gente que passa horas dançando na boate e não admite voltar para casa sem conseguir ao menos uma beiçada. Quando não consegue, é quase como ter perdido o final de semana inteiro.

Um dia eu hei de abrir um motel. Só vai funcionar entre 21h do sábado e 10h do domingo. O nome do distinto estabelecimento será: ‘Chalés Furunfais do Super Ranzinza’ – abrimos somente aos sábados, não insista.

Todo o dinheiro arrecadado será investido na aquisição de micro-câmeras disfarçadas de luz negra.

:: NEUROSE COLETIVA ::

É difícil superar a neurose do sábado à noite. Você precisa de muita rabugice, aliada a anos e anos de mentalização (e alcoolização) para aprender a ignorar a histeria das pessoas de que ficar em casa sábado à noite é doença.

Deveria dar palestras: ‘como superar a noite do sábado’. Não é difícil. É só começar a beber antes do almoço e, de noite, você já cai na cama feito cimento e acorda no outro dia numa boa. Não precisam agradecer, a fórmula é grátis.

O problema é que às vezes a porca torce o rabo, a cobra fuma charuto e tudo dá zebra. Tem sábado que nem o excesso de rabugice com as sobras da cerveja do dia anterior surtem resultados. Quem surta é a gente.

O entrave do sábado à noite é perceber a falta de companheiros papudinhos disponíveis para tomar uma mísera grade de cerveja, sem a neura reincidente de estar ao lado de alguém do sexo oposto.

Os enamorados vão namorar; os esquematizados vão furunfar; os casados não podem sair; e 99% dos solteiros vão à caça. Boates, pubs, bares da moda… qualquer lugar de azaração. Não precisa ir longe para observar. Nunca se vê um lugar de azaração sem estar lotado. É um verdadeiro açougue.

Outra alternativa é sair para beber sozinho, de praxe. No entanto, levando em consideração que o sábado em questão é o sábado em que você surtou e precisa de qualquer espantalho para azucrinar a paciência, beber sozinho deixa de ser uma opção.

Difícil escolher o pior: chegar no bar e se deparar com um bando de casais; ou perceber que os não-casais estão ali pelo mesmo motivo – que não é tomar um simples caju-amigo, mas sim brincar de esconde-esconde.

DA RÚSSIA, SÓ VODKA –

Você lembra que esta semana conseguiu pagar a conta do telefone e, antes que cortem novamente, é melhor colocar o aparelho em uso para algo mais útil do que enviar crônica por e-mail pela internet.

Após algumas tentativas de convocar os papudinhos, todas recusadas evidentemente, você apela para a velha agenda vermelha – a cor do sinal fechado – contendo os poucos telefones de ex-namoradas, ex-casos, ex-amizades coloridas e outras dores de cabeça.

Quem sabe alguma delas não tenha levado um choque de 10 mil volts nos últimos anos e resolva acreditar que você quer apenas tomar uma mísera grade de cerveja e falar sobre amenidades inteligíveis.

Com a agenda em mãos, é hora de riscar aquelas as quais você sabe que irão gentilmente bater o telefone na sua cara. Como não sobrou nenhuma, o jeito é fazer roleta russa.

Tentativa 1:
— Alô, Fulana. Aqui é o Super!
— Quem ???
— Super! O Super Ranzinza!
— Ah… Diz, Super. Fala logo que estou apressada, minha amiga tá passando aqui para a gente ir procurar namorado. Namorado sério, sabe? N-A-M-O-R-A-D-O, coisa que você não sabe o que é.
— Não precisa procurar tanto, ele está de paletó e gravata te esperando na padaria.
— Tchau, Super! Ah, e não esquece de fazer aquele favor que pedi a você faz é tempo!
— Qual?
— VAI TE CATAR !!!

Tentativa 2
— Oi, Filó. Aqui é o Super. Cervejinha hoje?
— Claro! Estou indo com a Sicrana, a Beltrana, duas irmãs e três primas para a boate, estão todas solteiras e eu falei super bem de você, vem com a gente!
— Odeio boate.
— Então vamos para aquele bar novo que abriu na frente da praia!
— Odeio bar novo.
— Pô, deixa de ser chato, quer ir para onde?
— Não sou chato, sou seletivo. Vamos para aquele boteco que…
— Não! Esses botecos que você leva a gente só tem papudinhos, velhos, barrigudos e homens feios!
— Não fale assim de meus camaradas.
— Hoje é sábado, a gente quer se dar bem!
— Tem todos os dias para se dar bem, por que essa neura do sábado?
— Porque é quando todo mundo quer o mesmo!
— Vocês parecem adolescentes…
— E você parece um velho rabugento, sempre me irrita!
— Você que começou.
— !)$%!&&! @#!&$@!$& !!!!
— Vou nessa, antes que você morda o telefone.

Tentativa 3:
— Diz, Ambrósia, vais fazer o quê hoje…
— Superrrrr, que saudadessssss! Vamos para a boate com a gente, eu arrumo um monte de gatinhas para você agarrar!
— Desculpe, número errado.

Tentativa 4:
— Oi, Jurubeba. Daqui a pouco seu marido vai sair com a outra e você vai ficar mofando em casa. Vamos tomar uma cerveja?
— Sim, sim. Chego na sua casa de que horas, Super?
— Tá surda? Eu disse ‘tomar uma cerveja’. Em algum boteco. A gente afoga as mágoas, xinga a sociedade e abre uma seita, para no outro dia não lembrar mais de nada. Bora?
— Qual é, Super… não podemos afogar outras coisas também?
— A gente nunca pode sair para tomar uma cerveja, criatura?
— Pode, mas hoje é sábado!
— Acabaram de cortar a linha do telefone, tchau.

Tentativa 5:
— Oi, Cremilda. Vamos tomar um caju-amigo?
— Posso não, estou de namorado agora.
— Estou chamando para beber, não para *****. Leva teu macho também.
— Claro que não!
— Não temos mais nada há muito tempo e hoje meu fígado quer exclusividade. É só uma cerveja, para o sábado não passar em branco.
— Eu não consigo tomar apenas uma cerveja com você.
— Deixa de tua frescura.
— Vou dizer a ele que estou com dor de cabeça e…
— Olha, para agüentar teus piripaques esse cara deve ser muito gente boa. Leve ele e conversamos os três, prometo não cadastrar o cidadão na lista de crônicas.
— Depois vou querer que ele me deixe em casa e correr para a sua.
— tu tu tu tu tu tu tu tu tu tu tu tu tu

E nesse momento, você desiste da roleta russa. Percebe que não falta muito para o sábado acabar. Basta um pouco de paciência. Melhor ainda, sábado é o dia em que os nerds do prédio da frente costumam jogar xadrez na rua. Eles adoram quando você vai. Afinal, ninguém do bairro consegue perder tanto.

— Chegou o Tio Super!
— Quem é o pato que eu vou ensinar a jogar hoje?
— Tio, joga aqui com o Sicraninho, meu irmão caçula de 13 anos. Horas depois, lá pela quinta partida (cinco derrotas), o celular toca:
— Diz, Super. Vamos tomar um caju-amigo agora?
— Ué, cadê sua namorada?
— Acho que está na TPM, quis voltar para casa sem mais nem menos.
— Voltava com ela, oras.
— Ela queria ficar sozinha com a irmã assistindo O Diário de Bridget Jones. Em pleno sábado à noite, pode?
— E claro que você acreditou…
— E a gente tem opção, ó sábio guru?
— Tem não, realmente. Mas cadê teu esquema de furunfada?
— Tá com o namorado dela. Hoje é sábado, esqueceu?
— Quase esquecia… mas eu me referia ao outro esquema, aquela que parece uma Scania.
— Pombas, diz logo se vai beber ou não, ora bolas!
— Tô chegando lá no boteco em 15 minutos, não demore !!!!!!

Xeque-mate.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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