Frei Betto 1 de novembro de 2018

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Estar demasiadamente gordo já não é motivo para culpa pessoal. Não resulta apenas de gula ou falta de educação nutricional. Deriva de um problema estrutural, de um sistema que, focado na acumulação privada do lucro, encara as pessoas como meras consumidoras e as estimula a ingerir venenos.

Segundo dados mais recentes da Organização Mundial da Saúde (2016), de cada 100 habitantes do planeta, quase 30 tinham sobrepeso (2 bilhões e 200 mil pessoas), e 13 de cada 100 adultos eram obesos. Dados da FAO (2017) indicam que o número de famintos no mundo gira em torno de 821 milhões.

A gordura excessiva afeta a autoestima e acende o alarme de graves complicações da saúde, como diabetes, acidentes cardiovasculares e alguns tipos de câncer. Grande parte dos alimentos que consumimos procede da agropecuária e da indústria. Na agropecuária predominam os agrotóxicos e, no caso do Brasil, muitos já proibidos em outros países, como os que contêm acefato e fosmete. 

Animais consumidos à mesa, como bovinos, suínos e ovinos, costumam receber altas doses de química anabolizante prejudicial à saúde humana, porém eficiente para apressar a chegada do produto ao mercado e imprimir-lhe aspecto mais atrativo.

O consumo de produtos ricos em açúcares, gorduras e sais não é o único vilão do aumento de obesidade. Soma-se a ele a vida mais sedentária e o pouco tempo dedicado a cozinhar e comer. É mais cômodo encomendar uma pizza do que tirar os olhos da tela eletrônica e ir para a cozinha sujar panelas e pratos. Essa “perda de tempo” no preparo da própria refeição é o que se ganha em sobrepeso.

A obesidade já é uma pandemia. Suas fontes são globalizadas. Pode-se comer o mesmo sanduíche e beber o mesmo refrigerante em quase todas as cidades dos cinco continentes habitáveis. 

A cadeia alimentar nada tem de inocente. Nasce em lavouras e granjas, fontes de matérias-primas, passa por indústrias e entrepostos, mercados e lojas, até chegar ao prato de quem não recebeu, na família e na escola, educação nutricional. Nem aprendeu a ficar menos vulnerável à publicidade.

 A indústria alimentícia seduz o consumidor com embalagens atrativas e reclames saborosos – “100% grãos”, “Rico em fibras”, “Zero glúten”. E registra em letras microscópicas que o mesmo produto contém muito açúcar, calorias e gordura saturada. 

O lobby dessa indústria pressiona governos e corrompe políticos para que aprovem transgênicos, e reprovem qualquer tentativa de etiquetar mercadorias com selos de advertência quanto aos riscos à saúde, como se faz com o cigarro.

O poder da publicidade induz muitos a trocarem hábitos saudáveis por vícios danosos, como substituir café com leite e suco de frutas por achocolatados e refrigerantes. Ou mesmo a água filtrada por água engarrafada. Ao chegar no supermercado e constatar que o refrigerante é mais barato que a água mineral, muitos consumidores optam pelo primeiro.

O fator econômico pesa na incidência da obesidade. Pesquisa no Reino Unido, onde 28 em cada 100 adultos são obesos, comprovou que ingerir 1.000 calorias ao consumir salmão ou iogurte custava o equivalente a R$ 39. Obter a mesma energia com pizza ou hambúrguer ficava em R$ 13. 

Os EUA são os campeões mundiais de obesidade, 36,2 em cada 100 adultos, seguidos de Turquia, Líbia, Arábia Saudita e Nova Zelândia, todos com mais de 30% da população com sobrepeso. No Brasil, 22,1 de cada 100 adultos estão acima do peso. Na outra ponta da escala figuram China, com 6,2% de obesos; Japão, com 4,3%; e Índia, com 3,9%.

Fechar a boca, subir escadas, fazer caminhadas e exercícios são hábitos que evitam e reduzem a obesidade. Contudo, o distúrbio já virou problema político. Enquanto não houver uma ação governamental que coíba o envenenamento de alimentos e desestimule o consumo de “bombas” que afetam a saúde, os gastos com a saúde pública tendem a engordar.

Se famílias, escolas, mídia e redes digitais não se empenharem em promover educação nutricional, haverá a multiplicação geométrica da síndrome do peixe, aqueles que morrem pela boca…

Obs: Frei Betto é escritor, autor de “Por uma educação crítica e participativa” (Anfiteatro/Rocco), entre outros livros.

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