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Quem contou a primeira história no mundo
acendeu o pavio do tempo.
Agora, depois de trezilhões de anos
quantos dias ainda nos restam?

Jogados em um universo impenetrável
tentamos nomear cada coisa, animada ou inanimada,
inconscientes dessa missão condenada ao fracasso.

Mesmo sendo verdade
que as invenções da multidão
não têm autor.

Mas, quero dizer aqui
da construção e nomeação do espantalho,
eu.

Criado para arremessar o meu discurso,
eriçado de enigmas e significações,
no meio do campo, no início dos tempos.

Um discurso que vaza-me nos olhos,
doloroso e cheio de tumores na pele,
encravado no meu corpo intocável
e fora de qualquer compreensão.

Meu testemunho não é detentor de qualquer sentido
mas, antes, um deflagrador de significações,
resvalando no absurdo.
Aviso, de uma falcatrua que vence em nós
a certeza da sua inexistência e nos desarma,
deixando-nos sempre com essa encardida pergunta:
quem somos?

Sei, que toda a minha fala,
muda e abafada pelo barulho do mundo,
é apenas uma velha e vã luta pela recordação.

Sei ainda que, durante todo esse infinito tempo,
cedo e tarde carecem de qualquer concepção,
porque sei também que sou preso de uma anomalia:
a imobilidade.

Peregrino, imóvel, num suplício fora do tempo,
no sempre-nunca, no inferno.
Porque, do que sonho, ao despertar,
sou o mesmo cego que sempre esquece do sonhado.

Enquanto ermo no ermo,
o que esperar do céu se não dia e noite,
chuva e sol?

Concretados sentimentos, sonhos e a intuição
(palavrinha forjada pelos acadêmicos da mesmice
para substituir a inapossável sexto sentido).

Nos campos asfaltados e concretados do urbano labirinto,
observo, pela gradação da demência,
se as cidades crescem na mesma medida dos cemitérios.

Pra manter o coração pulsando mesmo sendo certo
que o mundo não anda comportando sonhadores,
idealistas, utópicos e toda a fauna do que se tornou mito ou fábula.

Como a vitória do irracional sobre o racional
é fonte perene de poesia,
esse espantalho há de seguir olhando,
mesmo quando todo o folclore estiver morto.

Eu, um espantalho inútil, espantolho, espantulho,
apesar dessa minha dolorosa alegria e inutilidade,
espantalho que sou, o espanto, no entanto, é meu.

Onde a minha perfeição entre Deus e o Diabo?
Porque só sou útil como saco de pancadas para sua emancipação moral
como se onde não há sangue não há dor?

Cadáver enfeitado herdeiro de uma miséria colorida
eu também queria um cérebro,
mas deram-me apenas um coração.

Trapo flutuante nessa agitação sem causa,
entre o tragicamente cômico ou o comicamente trágico,
a minha dor é essa: nunca saber se sou motivo de espanto ou riso.

Obs: Imagem enviada pelo autor.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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