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Entre as tantas frustrações na vida, sem se mencionar a de não ter, ainda, sido Presidente da República, arrolo a de nunca ter visto uma baleia, o que, aliás, não é novidade, para quem, como eu, que nasceu em cidade não banhada por nenhum rio. De rio, anote-se, um riacho, que passa por parte da Rua Esperidião Noronha e vai desaguar no Açude da Marcela, tão pequeno que não sei se merece o epíteto de riacho.
Por outro lado, não sou marinheiro, nunca viajei em navio, e, para ser sincero, nunca me aproximei de nenhum. De navio, me contento com os que vejo quando estou no 16o. andar da sede do Tribunal Regional Federal da 5a. Região, no Recife, navios de todos os tipos e tamanhos, inclusive os utilizados para viagens de cruzeiro.
Evidentemente que, não tenho como ver uma baleia se, afinal, nem do mar sou, mar que, esverdeado, é sumamente bonito, mas me causa medo, porque…, bem, porque não sei nadar, apesar de, quando menino, ter pego muita gripe tomando banho no Açude Velho, com incursões no Zaloque (era assim que se chamava), no açude do posto, onde se lavava caminhão, e, ainda, na pedreira, de histórica presença.
Não posso, então, me queixar de nunca ter visto uma baleia, a não ser em televisão e no cinema, principalmente na primeira, porque cinema hoje não tenho tempo para freqüentar, nem paciência para ficar hora e meia vendo um filme. Confessar não ter visto uma baleia me causa frustração, entre tantas, não é segredo algum que devo guardar a sete chaves. Cada um carrega suas frustrações ante desejos não realizados e sonhos não concretizados, que ninguém realiza todos. Há sempre um pé de pavão na vida de todo mundo, e, na minha, pelo que deixei claro, é a de não ter visto uma baleia até agora, malgrado os sessenta anos de idade, e, ressalte-se, já ter visto um casal de cágados em pleno ato de amor. De qualquer forma, excluo sumariamente de meus desejos a visão que uma baleia encalhada em praia no litoral sul me proporciona.
Se não vi uma baleia, – quero dizer, porque minha conversa é comprida, esclareço que me refiro a uma baleia viva, nadando, imperiosamente, no meio das águas, jogando água como se fosse uma torneira -, já vi uma baleia morta, e enfio na conversa logo os detalhes, na Praia do Saco, no sítio topicamente chamado de Zeca de Lóia, de casas bem bonitas. Foi num carnaval, em anos de muito mergulho no passado. A notícia voou por toda a Praia do Saco, e muitos, como eu, mordidos de curiosidade, na busca de ver algo de estranho no meio da monotonia do carnaval vivido, se deslocaram até o local.
Guardo a visão da baleia já deformada pela podridão. Um monte quadrado de carniça que fedia a depender da posição do vento. Não consegui distinguir onde ficava a cabeça, nem o que representava a cauda. Tudo era um quadrado de cor azul escura, encalhado na areia. Não sei como a baleia foi parar por ali, nem ouvi nenhuma conversa a respeito. Na posição mais favorável, cliquei a máquina na obtenção de retratos tendo a baleia morta como pano de fundo, na triste sina que o maior animal do mundo teve, já morto, levado por correntezas, para a Praia do Saco.
Pelo que me recordo, não demorei. O cheiro não permitia maiores delongas. Combinei, no retorno, que ninguém tocaria no assunto, porque o execrável odor, que entrava narina a dentro, era insuportável. Para meu azar, o prato do almoço era peixe. Olhei para um lado, para outro, fiz alguma careta e não me atrevi a encarar a mesa. Dei meia volta e fui estender meu corpo numa rede. O sono mata a fome, já tinha aprendido.
Não sei informar o que fizeram dos restos da baleia morta, se enterraram, ou se o mar trouxe areia suficiente para, ali, mesmo, fincar uma sepultura. Não me interessei pelo que restou do corpo da baleia que deve ter vindo de muito longe para se servir de atração para veranistas desocupados. De minha parte, dancei no almoço, e, para completar, o único livro que tinha levado para ler era Moby Dick, de Herman Melville. Deixei para ler em outra ocasião. (14.09.2010)
Obs: Publicado no Correio Sergipe
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Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras