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“Eu sou eu mais as minhas circunstâncias”, afirmou o filósofo espanhol Ortega y Gasset, faz quase um século. Entre as circunstâncias que nos influenciam na identidade pessoal e coletiva estão as do meio sócio-ambiental e as do sistema econômico em que vivemos. Sob o império do capitalismo de mercado, somos marcados com o “selo” de consumidores. Como tal, colecionamos sérios e diversos problemas tanto no pré-consumo como no consumo e no pós-consumo.
No pré-consumo temos, por exemplo, o uso desmedido de agrotóxicos, as monoculturas que destroem a biodiversidade e provocam alterações no clima, o trabalho escravo, o transporte poluente e congestionante das rodovias, o desmatamento… Vale destacar que, na Amazônia, a criação de gado é responsável por 70% a 80% do desmatamento. Só em abril desse ano foram desmatados naquela região 1.123 Km²
Há aproximadamente de 10 mil anos o ser humano procura dominar a natureza, utilizando o corte da mata e o fogo como seus principais meios. Durante muito tempo a floresta foi vista como empecilho ao desenvolvimento. Por isso, incentivou-se tanto a colonização e o desbravamento. Diga-se: a depredação. Agora chegamos ao limite. E isso se agrava porque os poderosos não conseguem conter sua prepotência, imprudência e ganância. Assim, a naturezase vai para o espaço e todos ficamos “perdidos na fumaça”.
No ato do consumo também verificamos graves problemas, a começar pelo próprio consumismo, pressuposto do mercado segundo o qual um ser humano só pode ser feliz se conseguir consumir. Enquanto uns consomem, poluem e dizem que pagam a conta, a grande maioria só pode consumir muito aquém do direito e da necessidade. Desse modo, se consolida e aprofunda a histórica desigualdade social. Hoje cerca de 75% da riqueza produzida no Brasil é apropriada por apenas 10% da população. E os que afirmam pagar a conta social e ambiental, mal sabem que o fazem com dinheiro alheio e recursos naturais pertencentes ao bem comum. No instante do consumo também existe a falta de soberania e de segurança alimentar, entre outras questões preocupantes.
Muitos são os problemas do pós-consumo, tais como a falta de coleta seletiva na absoluta maioria dos municípios, a carência de políticas públicas e infra-estrutura adequada para o tratamento dos resíduos, a exclusão dos catadores do direito ao trabalho e aos benefícios da reciclagem etc. Atualmente temos, no Brasil, em torno de 800 mil catadores trabalhando nas ruas e nos lixões. Ainda há 70% dos resíduos jogados de modo inadequado em lixões a céu aberto. O chorrume saído deles muitas vezes polui mananciais, como acontece com a Represa da Guarapiranga, na grande São Paulo, que abastece em torno de 3,8 milhões de moradores.
O maior problema do consumo do ambiente é que todos nós estamos no meio e dependemos dele para viver. Por isso é importante fortalecer alternativas a essa situação. É fundamental repensar todo o processo: estimular a produção orgânica, familiar e sustentável; incentivar a economia popular solidária; promover o consumo ético e consciente; realizar a reciclagem, o reaproveitamento e a compostagem, entre tantas outras medidas possíveis e necessárias.
Não bastam ações pontuais, nem é suficiente lembrar-se do meio ambiente apenas no dia dedicado a ele (05 de junho). É preciso pensar outro modelo de desenvolvimento capaz de garantir a vida, com justiça e dignidade para todos. Para tanto, existem ações que são de responsabilidade do cidadão – dos chamados consumidores –, outras que cabem ao Estado (poder público) e outras ainda às empresas. Todos têm de fazer a sua parte para evitar que o meio seja consumido por inteiro. E mais: para que as circunstâncias sejam favoráveis à sobrevivência dos que virão depois de nós! (18.08.2008)
Obs: O autor é Doutor em Sociologia, pós-doutor em Educação e professor da Universidade Federal do Sul da Bahia