Padre Beto 15 de outubro de 2018

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Alex nasceu com as características sexuais de ambos os sexos e, para fugir dos médicos que insistiam em corrigir sua ambiguidade genital, muda-se com a família para um vilarejo no Uruguai. O convencimento de que uma cirurgia seria uma violência contra seu corpo fica abalado com a visita de um casal de amigos, que traz com eles o filho adolescente. Além de o pai visitante ser especialista em cirurgia estética e se interessar pelo caso clínico da jovem, Alex, de 15 anos, e o adolescente, de 16, sentem-se atraídos um pelo outro descobrindo, assim, as diversas facetas da sexualidade humana. O pano de fundo do filme de Lucia Puenzo “XXY” é, na verdade, o amor gratuito pela simples pessoa humana. 

Jesus afirma categoricamente: “este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei” (Jo 15, 9-17). Para compreendermos bem a fala de Jesus devemos, primeiramente, resgatar o sentido da palavra “mandamento” (mitswah) para os hebreus. Mandamento não significa simplesmente lei ou norma, mas sim um “exercício”. Para o homem da Bíblia “o coração duro” ou “coração de pedra” é a pior das doenças. Ter um coração de pedra significa a esclerose do ser e da vida, ou seja, nos anestesiar diante das circunstâncias que estão a nossa volta, ser incapaz de chacoalhar o cotidiano através de nossas atitudes. Uma forma de prevenir esta doença é o “exercício”. Os mandamentos são formas de tornar o coração flexível e conservar a saúde da vida. Mas não é só este o sentido do mandamento. O mandamento, ou seja, o mitswah, é um exercício para trazer a presença de Deus, o que os hebreus chamavam de Shekinah, a fim de saturar o cotidiano com o eterno. O mandamento exercita o coração para que ele se torne sensível e traga a presença de Deus entre nós (Shekinah). 

Desta forma, compreendemos também que o mandamento do amor não está no universo do “dever ser”, da imposição de uma lei. Se fosse assim, poderíamos nos questionar como o amor pode ser imposto? Como exercício, o mandamento do amor não é uma imposição, mas uma proposta de que somos capazes. Nós podemos sempre cultivar o amor em nós e, através de atos concretos, nos tornarmos sensíveis às necessidades dos outros. 
Compreendido o sentido do mandamento, nos falta saber sobre que tipo de amor Jesus nos fala. Na Antiguidade, os gregos costumavam classificar três formas de amor. O Amor-Eros, que é o amor do inferior pelo superior, que não deve ser entendido como simplesmente o amor do sexo, mas a busca de algo maior que nos dá o prazer de viver. Por exemplo, se buscamos nos formar em um curso superior de medicina ou direito estamos tentando alcançar algo que ainda não nos pertence e nos trará nossa realização pessoal, se tivermos vocação para isso. O segundo tipo de amor é o Amor-Philia. Este é o amor de igual para igual. O Amor-Philia se dirige para nossos semelhantes e exige reciprocidade. É o amor cultivado pelas amizades. E, por fim, tardiamente os gregos criaram um nome novo para um tipo de amor, o Amor-Agape, que é o amor gratuito. Justamente sobre este amor que Jesus nos fala. Jesus pede aos seus discípulos que façam a experiência não só do desejo ou da amizade, mas tentem amar gratuitamente, “por nada”. O “Agape allelores” significa respeitar-se mutuamente, cuidar uns dos outros. O agape vai ao encontro da necessidade do outro e não do desejo. Eu preciso estar de prontidão para acudir o outro em sua necessidade, amparar o outro para que ele seja, sem a criação de dependência ou cobrança. Para isso é necessário que eu me desprenda de meu ego. O Narciso busca o espelho em toda forma de relacionamento, até mesmo nas formas de amor. Um ato de caridade e ajuda alheia pode ser uma forma maravilhosa de satisfação do ego e que, na verdade, não resgata a dignidade do outro. O amor-agape é aquele capaz de trazer Deus a nossa presença e fazer tremer o cotidiano. Podemos começar nas próprias igrejas nos perguntando se realmente vivemos o amor-agape e não o narcisismo e a vontade de poder. Afinal, afirma Jesus que seremos reconhecidos como seus discípulos se formos capazes de amar gratuitamente como o Deus nos ama e como o próprio Jesus como Cristo nos amou. 

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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