[email protected]
http://www.patriciatenorio.com.br
Maria acordou cedo. Olhou para o lado. Para onde foi João? Para onde foi o amor que tanto lhe provocara?
Começaria um dia em branco. Escreveria uma nova história como se entranhasse no seio de sua mãe, e sulcasse o papel com a caneta Bic, preta, a tinta quase acabando, mas que rende tantas páginas.
Hoje seria diferente. Começaria pelo fim do dia, a chegada em casa, café para os filhos, banho, perfume, se preparar para o esposo-amante, e deixá-lo invadir as células cerebrais, os líquidos no estômago, e retirasse de si alguma ideia inusitada, e já haviam pensado antes desde os tempos atávicos.
Porque não havia nada de novo a ser escrito, tudo fora dito entre os amantes, e sentou-se nua na cadeira da escrivaninha.
Olhou para ele. Entristeceu. Aceitou que era pobre e não havia nada a oferecer, a Maria. A mão pegou a caneta quase sem tinta preta e escreveu uma palavra.
(“Ave, Maria!”, Patricia Gonçalves Tenório, 17/08/2018, 05h40)
* Feliz coincidência entre o tema dos Estudos em Escrita Criativa de Agosto, 2018 – escrever sobre o amor à escrita -, e o primeiro exercício da disciplina Teorias da Criação Ficcional, ministrada pelo Prof. Dr. Amilcar Bettega no PPGL da PUCRS, que assisto como ouvinte.
Obs: Imagem enviada pela autora.
Patricia Gonçalves Tenório (Recife/PE, 1969) escreve prosa e poesia desde 2004 e tem onze livros publicados, com premiações no Brasil e no exterior, entre elas, Melhor Romance Estrangeiro (2008) por As joaninhas não mentem, e Primo Premio Assoluto (2017) por A menina do olho verde, ambos pela Accademia Internazionale Il Convivio (Itália); Prêmio Vânia Souto Carvalho (2012) da Academia Pernambucana de Letras (PE) por Como se Ícaro falasse, e Prêmio Marly Mota (2013) da União Brasileira dos Escritores (RJ) pelo conjunto da obra. Mestre em Teoria da Literatura pela UFPE, atualmente é doutoranda em Escrita Criativa na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).