Apressada e já com a chave na porta olhou o chinelo virado. Voltou e desvirou. Vez por outra batia uma crendice. Lembrou: se deixar o chinelo virado a mãe morre! Um gesto poderia salvar a grande mulher da vida dela. Voltou e desvirou. Olhou para as plantas e lembrou não ter regado. Já com a porta aberta novamente voltou. Regou todas elas. Resolveu até cantarolar, menosprezando a pressa que insistia em puxar pelos braços. Você não me dá ordem, pensou.
Certas coisas com a idade vão virando toques e sem querer vão tomando teu tempo, dando as coordenadas como se não dominasse mais os próprios quereres. Obedecer aos toques ou à pressa? Uma puxava para dentro, a outra para fora. E entre as duas quem era ela enfim? Pra lá e pra cá sob o comando de tudo, exceto dela própria.
Compromisso do lado de fora. Teria que ir! Teria? Queria? Batendo a porta, deixou-se cair no sofá. Olhou a garrafa de vinho ainda fechada. Tirou os sapatos, largou a bolsa ao lado e levantou já descalça. Colocou a bebida na geladeira. Foi só o tempo de tirar a roupa e com um bom banho deixar a cara lavada novamente.
Abriu o vinho. Agora é entre nós! Dane-se o compromisso, tudo pode esperar, afinal. Era tão simples o que realmente queria naquela tarde: seguir a pulsação do seu coração, deixar-se largar em si mesma. Simples assim.
Obs: A autora é poeta, administradora e editora da Revista Perto de Casa.
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