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O pai da psicanálise e inveterado fumador de charutos nos ajudou a pensar a família sobre outro prisma. Escreveu sobre o complexo de Édipo e chocou o mundo quando anunciou sua teoria de que as crianças, mesmo sem perceberem conscientemente, já possuem uma sexualidade “ativa”.

Freud também disse que temos que matar simbolicamente nossos pais. Dizendo de outra forma, temos que internalizá-los para crescermos, amadurecermos e seguirmos nosso rumo do modo mais independente possível.

Alguns pais têm uma dificuldade muito grande de libertar o filho deles mesmos. Não os deixam se desenvolverem, fazem todas as tarefas diárias por eles, infantilizam sua prole até onde conseguem e acabam criando bebês adultos. E, é claro, bebês “entendem” fantasiosamente que seus cuidadores sempre serão somente seus, nunca adoecerão e são seres imortais.

Aí vem a vida e dá aquele tapa bem ardido em nossa cara mostrando a realidade: que todo mundo fica doente, alguns mais cedo, outros mais tarde, inclusive aqueles que nos ensinaram ao contrário: nossos pais. Nossos super-heróis não eram tão poderosos como imaginávamos. E, muitas das vezes, estes se mostram mais frágeis do que os próprios filhos.

Após o adoecimento de nossos pais (sejam eles pessoas boas ou não), possivelmente eles estarão sob nossa responsabilidade. Será que conseguiremos retribuir o cuidado? Ficamos impotentes vendo-os impotentes. Seus corpos nos alertam que daqui a pouco vão embora e que o resto é com a gente. O presságio dessa despedida corta nossa alma e rasga o peito.

Há muitos séculos atrás os reis já preparavam o primogênito para futuramente substituí-lo. Não porque eles desejavam largar o “osso”, mas porque não tinham outra opção, já que todo mundo morre. Era comum também, quando possível, uma última reunião com a família real em seu leito de morte para despedida e últimos conselhos.

Na história da vida de Jesus vemos seus seguidores desesperados quando ele anuncia que seu corpo físico irá embora. Eles não queriam ou não entendiam, mas precisavam crescer e continuar o mundo com a missão que lhes fora designada.

Matar nossos primeiros amores dentro da gente não significa apagá-los da nossa memória, mas continuar vivendo com o que de bom nos foi ensinado e lutarmos (porque é uma luta de verdade), para não repetirmos as neuroses familiares que indiscutivelmente não nos faz bem. Não existem super pais, super filhos, nem super família. O que existe é o ser humano que já é essencialmente complicado.

Quando “nossos velhos” falecem, cada filho inserido em uma determinada cultura tem sua forma de viver o luto. Alguns filhos se enterram simbolicamente ao lado dos pais, pois não vêem possibilidade alguma de se viver sem a presença deles. Talvez por culpa, temos uma tendência a idolatrar quem morre tentando enganar a nós mesmos de que aquele que se foi só tinha qualidades e era um anjo na terra. Nem toda mãe, pai ou família faz bem para o outro. Lembro-me da história contada por uma senhorinha de que aparentemente ficou feliz ao saber que o “traste” do marido havia morrido. Quem poderia julgá-la? Ela havia sofrido muito com essa relação numa época em que a mulher que se divorciava ou teria que se prostituir forçosamente ou morria de fome.

Em contrapartida, penso que a maioria dos pais, se não forem extremamente perversos, amam para além deles mesmos. Só alguém que nutre um amor consideravelmente grande consegue fazer planos e investir em prol de outro alguém. Mesmo que, talvez, não consiga ver os planos deste alguém se realizarem, ou que nem colha os frutos desta realização. Isto é, os pais plantam e o mundo colhe. É a superação do próprio amor. Só um amor tão grande assim é capaz disso.

Talvez a maior alegria que os pais possam ter dos filhos é essa: a de saber que os seus se tornaram pessoas melhores que eles. Mais éticas, amorosas, íntegras, altruístas, respeitosas e trabalhadoras. Se você puder abraçar e beijar seus pais, faça-o. Se você puder ser mais presente, faça-o também. Mas o maior presente que você pode dar a eles é você mesmo, sendo o melhor que pode ser.

Obs: O autor é Psicólogo, palestrante, terapeuta de família casal.
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Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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