Djanira Silva 15 de setembro de 2018

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Perdoou pecados, fugiu do altar, desceu ladeiras, perseguiu mascarados, pierrôs e arlequins, santos e anjos, arcanjos das noites de maio vestidos de sombras, nos braços de todas s mulheres da vida e da morte. Abandonou Colombina.

No coração teceu a dúvida, nos jardins colheu estrelas. No lago afogou os cisnes e dos olhos da menina apagou o azul.

Misturou-se às batidas dos tambores, aos toques das flautas, ao calor do samba. Abriu caminho para passar com a alma perdoada. Escreveu um poema. Perdeu o juízo.

Acácias, papoulas, cravos e girassóis germinaram á sombra da praga do tu és pó.

Recomeçou a vida nas manhas de um Deus surpreso com a própria criação.

No coração da mulher deixou o perfume dos sacrários. Para ela inventou todas as rosas. Vestiu-a com a leveza dos sete véus, disfarçou-lhe a perfídia com o sorriso das virgens, abriu a porta dos cárceres, das masmorras, os conventos desfiou mentiras nas ladainhas, inventou mandamentos, inventou o perdão, o pecado aceso e no incompreensível das contradições: vida e morte, mão e contramão, rezas e penitências, dores e prazeres, pecado e perdão, inventou a redenção para cumprir o prometido. Desescreveu o poema. Desendoideceu.

Antes de ser, foi prazer. Dentro do coração plantou o medo.

Nas engrenagens do eu do meu, do sou, violentou fadas, gnomos, duendes e gigantes.

Seus dedos escreveram histórias desfazendo as claridades de um sonho à-toa. No olhar sem amor prendeu o tempo.

Procurou um corpo para encher de infinito. Na ebulição do prazer escalou o meu e ali mesmo inventou a vida.

Confuso misturou bem e mal. Enrodilhado no corpo da serpente fez de mim sua criação. Com a peçonha envenenou a saudade.

Espalhou, por todos os caminhos, lembranças frias. Lavou as mãos no meu sangue, nas cinzas escreveu a sentença, na rosa vermelha despetalou meu rosto. Com laços azuis amarrou-me os pensamentos.

Nas manhãs de sol ensinou-me a cantar. Nas noites de frio estancou meu choro nas horas sem sono adormeceu comigo. Segurou meus passos nos caminhos da queda batizou-me na pia da amargura.

Ensinou-me a atravessar o vazio. Deixou-me de herança mentiras e verdades. Deu-me o castigo da sabedoria.

Com os ventos de agosto deixou na alma a saudade presa.

Não era tempo de chorar, chorei. Não me pediu para ficar, fiquei.

No circo o palhaço apagou a luz e os sorrisos. O anjo anunciou a vida. A estrela de Davi apagou-se no horizonte.

Nos raios coloridos dos vitrais o dia estraçalhado morreu na alma em agonia, nas dores do mundo.

Obs: Texto retirado do livro da autora – Morte Cega

A autora é poetisa, escritora contista, cronista, ensaísta brasileira.

Faz parte da Academia de Artes e Letras de Pernambuco, Academia de Letras e Artes do Nordeste, Academia Recifense de Letras, Academia de Artes, Letras e Ciências de Olinda, Academia Pesqueirense de Letras e Artes , União Brasileira de Escritores – UBE – Seção Pernambuco
Autora dos livros: Em ponto morto (1980); A magia da serra (1996); Maldição do serviço doméstico e outras maldições (1998); A grande saga audaliana (1998); Olho do girassol (1999); Reescrevendo contos de fadas (2001); Memórias do vento (2003); Pecados de areia (2005); Deixe de ser besta (2006); A morte cega (2009). Doido é quem tem Juízo (2012); Saudade presa (2014); O Sorriso da Borboleta (2018)
Recebeu vários prêmios, entre os quais:

Prêmio Gervasio Fioravanti, da Academia Pernambucana de Letras, 1979
Prêmio Leda Carvalho, da Academia Pernambucana de Letras, 1981
Menção honrosa da Fundação de Cultura Cidade do Recife, 1990
Prêmio Antônio de Brito Alves da Academia Pernambucana de Letras, 1998 e 1999
Prêmio Vânia Souto de Carvalho da Academia Pernambucana de Letras, 2000
Prêmio Vânia Souto de Carvalho da Academia Pernambucana de Letras, 2010
Prêmio Edmir Domingues da Academia Pernambucana de Letras, 2014

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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