Tivesse de prestar um depoimento sobre o jogo de botão, ou futebol de mesa, daria destaque a dois jogadores em especial. Um, Zé Rivaldo, filho de Etelvino, morador da Rua da Vitória, que, do que me vem à tona, foi a primeira pessoa que vi jogando, e, pelo que me consta, só o vi uma única vez. Fiquei impressionado com a sua destreza e com os botões do seu time. Outro, Wilson [que era chamado de Vilson], filho de Júlio Machado, dono de um time excelente, que depois me vendeu, e, eu, anos e anos mais tarde, quando o botão perdeu o encanto, terminei passando adiante. Acho que foram os dois maiores jogadores de botão do meu tempo.

Então, conseguimos, não sei de que modo, um campo de madeira, bem envernizado, e, aproveitando uma sala, no oitão lá de casa, criamos a Federação de Botão de Itabaiana, a nossa modesta e simplória FBI, e, partir daí, foram vários os jogadores que apareciam para os embates devidos. Cito, assim, de memória, Luiz Carlos Andrade, Luciano Siqueira, Zé Carlos e Zé Milton Machado, Boanerges, Lelé de Pedro, Luiz Antonio Machado, Tonho de Quinquim – que construiu um goleiro de madeira, extraída do sítio do pai, que não caia nunca -, Pedro Langanho (raras vezes), Zé Luiz de Firmino – que tinha um botão artilheiro, de mica de relógio, infalível na cobrança de falta para nossa contrariedade – eu e Bosco. Pode faltar algum outro nome.

Cada um trazia seu time bem cuidado, mas ninguém superava Bosco, guardando seus botões em uma lata de bala, enrolados em flanela. No mais, a presença da flanela para passar nos botões, na busca de palheta para, assentada nela um botão rasteiro de fábrica, transformá-lo em botão da zaga, em dupla, que ficava ao lado do goleiro, na imitação dos times de futebol de então, ou seja, o goleiro, dois zagueiros ao lado, três jogadores de defesa mais a frente, e cinco atacantes no campo do adversário, no bom sistema tático de então, que a gente adotava do futebol de verdade, sem noção alguma do seu significado.

No estoque, tínhamos cera de cortiço de abelha, que servia para ligar a palheta ao botão, a fim de que os zagueiros ganhassem altura, pedaço de vidro de lâmpada, para raspar bem o botão, botão de acrílico – que só servia se fosse de fábrica; de coco e de osso, que ninguém sabia fazer. O comércio vadiava na venda de botões, por valores módicos, e, na permuta, até que Eraldo de Josafá se meteu, inflacionando o mercado pelos preços altos que pagava na aquisição dos botões. O time não era uniforme, cada botão tendo seu próprio formato.

O final do curso ginasial, no ano de 1965, já nos surpreendeu despojados da vontade de jogar botão. Não sei que destino teve o campo. O que mais me espanta hoje é que fizemos vários campeonatos, e, nenhum, absolutamente nenhum, nunca teve seu final concretizado. Brigávamos, discutíamos, uns jogadores, irritados, abriam o jogo para o adversário, a fim de não permitir que outro fosse campeão. Resultado: o campeonato se encerrava marcado por discussões. Ninguém ficava sem falar com o outro. Depois, esquecidos do fracasso do campeonato anterior, organizávamos outro, e, após a lua de mel dos primeiros jogos, lá vinha um empeço qualquer, e, outra vez mais, o campeonato terminava antes do tempo, marcado pela reiteração das discussões.

Muitos anos depois me arrependi de ter vendido meu time. Já adulto, adquiri um, oficial e uniforme, mas sem o encanto do time anterior. Misturou-se o fracasso dos campeonatos sem final a venda que me deixou com a consciência maltratada. Ainda hoje. (29 de abril de 2017)

Obs: Publicado no Correio de Sergipe
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Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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