15 de setembro de 2018
A goiabada é sumamente gostosa, gelada ou natural. O mesmo não se diga da lata da goiabada, sobre a qual recai um certo preconceito. Lata, não, porque hoje não se usa a lata como invólucro. Desde muito é uma espécie de plástico duro, à míngua de outro termo mais adequado, bem encaixado, que permite o doce sobreviver por algum tempo. Aliás, até papel, de plástico transparente, se usa para nele se acomodar a goiabada. Mesmo assim, sobrevive a diferença entre a goiabada no invólucro, na prateleira do supermercado, e a goiabada no prato, esta, sim, deliciosa.
Talvez tudo seja resultado das feirinhas de Natal e similares no interior, quando, nas bancas de jogo, no pio ou no baralho, o prêmio era uma lata de goiabada. Era frequente presenciar, da feirinha, a retirada de muitos um estoque de goiabada na mão. Pode ser que esse uso generalizado tenha causado ao doce uma aureola de vulgaridade. É só palpite.
De tempos que vou buscar lá nos cafundós da memória, a lata de goiabada – que não era vendida como nos idos de hoje – ostentava ares de nobreza. Pois sim. Pelo menos, lá em casa, uma lata de goiabada redonda, de cor azul, exibindo na frente uma gravura de alguma tela clássica, foi transformada em enfeite. Com um suporte de compensado, em forma de um elle, colocado num bufê, ficou na sala, de nariz bem arrebitado. Não havia, acredito, prazo de validade, e a lata de goiabada, pela sua beleza, foi ficando como enfeite, ano após ano, até que, num domingo, a gente [ou seja, Alba, Bosco e eu, mais eles do que eu, simples ponta de rama] pressionou papai para abri-la, situação que implicava na sua própria destruição, porque deixaria de ser adorno. Papai resistiu, resistiu, mas terminou abrindo a lata de goiabada e, para surpresa nossa, o doce era agora uma massa escura, um tanto esverdeado, prova robusta de que, há muito, deixara de ser doce. A lata de goiabada foi parar no lixo, sob os acordes dos risos que, durante alguns minutos, coroamos o seu enterro. Adeus, enfeite, evidentemente algum presente, que não cumpriu sua papel, transformado que foi em adorno de bufê.
Outra goiabada não a substituiu, nem sei do que feito do seu suporte. À época, o seu utente como enfeite era mui rotineiro, dada a beleza que a lata ostentava, beleza que o lixo teve o privilégio de guardá-la até que, sem solenidade alguma, foi parar, para sempre, no monturo, como uma goiabada que morreu donzela, sem ter sido cortada na faca e servida em pires, como seria de seu mister, coitada. Seu papel de adorno se estendeu por alguns anos, na exibição de uma pintura clássica, até que uma faca, pressionada por um martelo, penetrou em suas entranhas, fazendo exibir aquilo que, outrora, tinha sido um doce, agora massa totalmente esquisita, que nada guardava da cor primitiva.
Quiçá tenha tido destino quase idêntico ao de um queijo do reino que, na narrativa do dr. Luiz Carlos, um conhecido nosso, de muito falecido, ganhou de presente, quando do casamento, lá para a década de vinte, se dando ao luxo de abri-la, no que passou a vida inteira só cheirando o queijo, uma vez por semana, precisamente no dia de domingo. Quando a cor vermelha desapareceu, exausta de tanta ser cheirada, foi aconselhado a pintar, o que fez, para a cor antiga ser restaurada. O queijo perdeu o cheiro, mas a pintura lhe deu vida longa, levando, um dia, para o lixo, a primazia de ter sido o queijo mais beijado do mundo. Cuidando-se de história contada pelo dr. Luiz Carlos Andrade, não só acredito, como boto a mão no fogo como é totalmente verdadeira, como é a da goiabada de papai. 8 de abril de 2017
Obs: Publicado no Correio de Sergipe
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Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras
