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A comemoração do dia dos pais, ocorrida nacionalmente nesse domingo, tem apelo mais comercial, mas não deixa de suscitar fortes emoções, tanto para quem pode abraçar seu pai, como para as pessoas cujos pais já partiram. Essa data foi inventada, em 1953 pelo jornal O Globo, no contexto de uma crise política, “para permitir que os filhos homenageassem a figura heróica do chefe de família que, nesses dias, atribulados e difíceis, é o responsável pela preservação dos laços cristãos que mantêm unida a família brasileira” (Cf. O Globo, 05/ 08/ 2005).

Atualmente, apesar de todas as conquistas da sociedade civil e dos ganhos da Constituição cidadã de 1988, a realidade política tem se deteriorado. O pluralismo cultural e religioso da sociedade não tem se traduzido em uma convivência sadia e positiva. Mais do que nunca, atiçada pelas grandes redes de televisão, a onda de intolerância e violência social aumenta a cada dia. E essa guerra que destrói os alicerces da cultura da solidariedade atinge em primeiro lugar a própria família. Os modelos de família têm se diversificado muito e, assim, a comemoração do dia dos pais ganha outro contexto. Em muitos lares, as mães exercem sozinhas a função que antes era dos dois. Em muitos casos, o pai não é o homem que gerou, mas a pessoa que acompanha e garante a educação das crianças e jovens.

De todo modo, o dia dos pais pode ser boa ocasião para se refletir sobre o exercício da paternidade. Ela é uma graça, seja para aqueles que têm a responsabilidade de ter gerado vidas, seja para outros que, sem serem pais biológicos, são responsáveis por uma paternidade afetuosa e espiritual.

Em seu tempo, São Paulo escreve a uma comunidade que acompanha: “Embora vocês possam ter dez mil instrutores, não têm muitos pais. Só eu os gerei no Cristo” (1 Cor 4, 15).

As figuras de pai e mãe são, de tal forma, responsáveis pela estruturação da personalidade que é comum as pessoas idealizarem o que seria o pai ou a mãe perfeitos. Muitas mensagens que circulam no dia dos pais falam de um pai maravilhoso que dificilmente existe na realidade. Pessoas que nasceram e cresceram sem poder ter recebido o amor de um pai altruísta terão imensa dificuldade de se relacionar com seus filhos e filhas de modo adulto e generoso.

Hoje, no Brasil, uma em cada três crianças que nascem não terá como festejar o dia dos pais. Não sempre por ser pobre ou por algum desastre natural, mas porque seu pai não assume sua função. Na certidão de nascimento consta apenas o nome da mãe. Todos os anos, no Brasil, nascem cerca de 800 mil crianças, frutos dessa situação.

No plano biológico, ser pai é relativamente fácil. Hoje, existem, técnicas genéticas que garantem fecundação em laboratório. O desafiador é ser pai na construção amorosa de uma história humana. Trata-se de acompanhar contínua e generosamente outro ser em crescimento e que precisa de uma figura de educador como referência. Em nossa sociedade, a maioria das famílias tem, cotidianamente, de lutar para sobreviver e garantir o seu trabalho. Mesmo assim, é importante assegurar o tempo de diálogo com os/as filhos/as, no qual esses possam ser confirmados e estimulados a sempre crescer e amadurecer humanamente.

A escola cumpre um papel fundamental, mas só o apoio afetivo do pai e da mãe motivam a criança a avançar na escola e no caminho da educação integral. É por garantir esse cuidado que o pai, mesmo se não teve as mesmas condições de se educar, pode sentir-se atualmente gerador contínuo de vida e crescimento para seus filhos. Ao fazer isso, ele vai constatar como tinha razão o poeta Vinícius de Moraes ao dizer no Poema Enjoadinho, que os filhos dão um trabalho imenso, mas, ao mesmo tempo, “que coisa linda que os filhos são!”.

Quando falamos de pai, quase sempre nos referimos a pais de filhos pequenos. No entanto, quem de nós, adultos e mesmos os/as já entrados/as em anos não sentimos a necessidade de um ombro amigo no qual se apoiar e uma mão amiga na qual segurar? Também para os que são pais biológicos ou não de filhos e filhas adultos, ser pai é uma graça e uma felicidade. Ser pai significa assumir profundamente alguém cuja vida não nos pertence e, entretanto, pelo/a qual nos sabemos responsáveis. Para quem crê, é principalmente aceitar ser imagem de Deus-Amor para as pessoas que nos olham como pai ou mãe.

Obs: O autor é monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares.
É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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