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Rostos são espelhos. Todo espelho nos devolve alguma imagem de nós mesmos, seja ela distorcida ou que, pelo menos, se aproxime do real. Algumas pessoas são espelhos mágicos que nos devolvem uma imagem bonita que não enxergamos em nós, e outras, refletem facetas que gostaríamos de esconder, mas que lá no porão da nossa alma, sabemos que elas existem.
Para a teoria psicanalítica, em geral, não amamos o outro diretamente, amamos a imagem que esse outro devolve para nós mesmos através do espelho que é o rosto deles. É um amor narcísico. É por isso que no ato sexual “saudável”, não basta apenas você sentir prazer, você precisa também perceber e saber que está dando prazer ao parceiro(a). Esse prazer que conseguimos proporcionar a outra pessoa, se transforma em potência interna fortalecendo o nosso ego, que acaba direcionando o prazer para nós mesmos. No final das contas é uma carência existencial de amor que possuímos, por isso precisamos tanto do olhar e valorização do outro em nossa história.
Mas de onde vem essa carência? Pode vir de um emaranhado de contingências históricas de nossa vida, mas sua base talvez esteja ligada à infância, no que diz respeito a qualidade do acolhimento físico/emocional que nossa mãe (a que sempre leva “a culpa”) proporcionou para nós. É por isso que existem pessoas com níveis diferentes de carência.
A cantora Pitty denuncia essa nossa carência em uma música: “não sei mais o que tenho que fazer para você admitir, que você me adora, que me acha foda, não espere eu ir embora para perceber”.
Na prática, se essa carência não for minimamente trabalhada internamente, podemos sofrer diversos tipos de abuso dos rostos “bonitinhos e amigáveis” que aparecerem em nossa vida. Não é que não temos ganhos secundários ao nos relacionarmos com esses abusadores, mas com o tempo, essas migalhas oferecidas, nos transformam em especialistas de restos alheios e acabamos por desacreditar no ser humano, na vida.
Essa falácia de que não precisamos de pessoas nem do olhar de ninguém para ficarmos bem só nos deixa mais doentes. Desde crianças, só nos reconhecemos como Eu, pelo olhar do outro que nos nomeia.
Quando sentirmos aquele “buraco” no peito e a necessidade de sermos adorados e amados, podemos respirar um pouco, refletir e tentarmos, na medida do possível, suportar a angústia inerente ao ato de existir e do sentimento de incompletude que está em nosso DNA psíquico.
Sei que é um processo doloroso, mas acho que esse trabalho árduo interno, pode nos auxiliar a escolhermos melhores os amigos, amores e até familiares com quem iremos conviver de uma forma que não nos enlouqueça. Se não admitirmos nossa carência, seremos a todo tempo seduzidos e usados como objetos descartáveis pelos psicopatas de plantão que são peritos em perceber as nossas fragilidades emocionais.
As pessoas podem nos ajudar através dos seus espelhos a sabermos quem somos, mas isso não quer dizer que somos apenas o que os outros refletem ou dizem da gente. Podemos ser piores ou melhores do que pensamos ser, mas se for para ter essa dúvida, que seja ao lado de rostos que realmente possam suportar nossas neuroses sem nos esquecermos que ali também mora algo de bom que veio de nós, pois quem ama, lembra do objeto amado. O poeta Pablo Neruda já sabia disso:
“Se sou amado,
Quanto mais amado
Mais correspondo ao amor.
Se sou esquecido,
Devo esquecer também,
Pois amor é feito espelho:
Tem que ter reflexo.”
Obs: O autor é Psicólogo, palestrante, terapeuta de família casal.
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