Frei Adolfo Temme 15 de agosto de 2018

A princesa Ai Ho era uma das mulheres mais belas do país. O seu pai Kung a cumulava com presentes de seu amor. Todas as mulheres tinham inveja secreta dela, e os homens lhe prestavam espontânea veneração.

Mas um dia a princesa adoeceu, e a doença lhe tirou a beleza, como o vento do outono tira as folhas das árvores. Quando ela olhou seu rosto no espelho, ficou tão triste que nem conseguiu chorar. Ela mandou escurecer o seu quarto com cortinas pesadas e recusou-se a comer. Nem os pedidos da mãe, nem a insistência do pai conseguiam mudar o seu desânimo.

Kung mandou chamar o Sábio Mengtse e pediu que curasse sua filha. Este entrou no aposento dela e sentou-se naquele semi-escuro. Por longo tempo não disse nada, mantendo sómente o olhar nela. Depois perguntou: “Você me conhece?” Já que ela não respondia, o Mestre falou: “Que pena, a doença não somente obscureceu a beleza do corpo, mas está para destruir o seu espírito. Então o resto de sua nobreza lhe será tirado.” Ai Ho perguntou: “Quer dizer que eu ainda não perdi a beleza toda?” Mengtse falou: “Enquanto a alma e o espírito estiverem na luz, sua beleza permanece.” A princesa falou: “Ó ancião, porque me dás pedra em vez de pão?” O Sábio falou: “Se eu estivesse lamentando somente a sua sorte, estaria lhe dando pedra. Eu quero lhe dar pão, mas quem deve comê-lo é você. Não posso comer em seu lugar.” A princesa falou: “Suas palavras são obsuras.” – “Então deixa-nos abrir as cortinas”, disse Mengtse. Com isto levantou-se e deixou a luz entrar no quarto. Ai Ho deu de ombros: “Isto não vai clarear as suas palavras.” O Sábio falou para ela: “Venha ao meu encontro, metade do caminho, com a disposição de receber, e você vai ganhar pão em vez de pedra.” – “Como?” perguntou a princesa, cheia de perspectiva.

Neste momento o Mestre tirou do bolso uma concha cinzenta, chata, pouco apreciável. Ele perguntou: “Você acha isto bonito?” Ela respondeu: “Não, a casca é suja e cheira mal”. Mengtse abriu a casca e apresentou para Ai Ho a ostra aberta. Uma pedra brilhante se ofereceu ao olhar dela, com fundo de madre-pérola. O Sábio falou: “E isto, que tal?” A princesa falou: “Nunca vi coisa tão bela!” Ela ficou num silêncio pensativo. Depois o Mestre falou: “A pérola é bela e preciosa, porque ela prova a vitória do Bem sobre o Mal.” A princesa falou: “Porque assim? Que tem a ver com Bem e Mal?” Mengtse falou: “Nós consideramos a doença um Mal, já que ameaça e destroi a vida. Nesta ostra um corpo estranho penetrou, e ela ficou doente. Mas a vida resistiu contra a ameaça, e ela foi mais forte. A ostra revestiu o corpo destruidor com uma cobertura brilhante. Assim converteu o Mal num Bem. A pérola simboliza a vitória do Bem sobre o Mal. É por isto que lhe damos tanto valor”. A Princesa perguntou: “Que tem isto a ver comigo? O Senhor prometeu devolver-me a beleza”. – “Acabei de devolvê-la”, disse o Sábio. “Dei-lhe pão, mas quem deve comer é você”. Ai Ho hesitou: “O Senhor acha que eu…” – “Sim”, disse ele, “faça como a ostra e transforme o Mal no seu coração num Bem, e você será mais amável do que no tempo em que sua beleza era apenas externa”. A princesa deu um suspiro: “Mestre, é difìcil o que o Senhor exige de mim”. O sábio falou: “Muita coisa que nos é dada só revela seu segredo com a nossa contribuição. Seja como a ostra, e você será bela de verdade”.

Ai Ho venceu a si mesma e, apesar de sua perda, tornou-se a mulher mais amável do seu tempo.
Conto da China

A descoberta do nosso interior

“Quem acumula tesouros para si, não é rico para Deus…”
A riqueza interior é uma reserva escondida
que só aparece, quando se acaba a atração pelo externo.
Então o que vai sobrar?
A princesa se anula no isolamento, na recusa e no lamento.
Nesta escuridão, o primeiro clarão está na intuição:
Não perdi tudo. Existe outro valor.
O caminho desta descoberta passa pela dor da perda:
a feiúra da casca obriga a procurar o interior,
onde está a beleza escondida.
A geradora desta descoberta é exatamente a dor,
causada pelo corpo estranho que penetrou.
Só então nossa natureza mostra sua força transformadora:
O Mal vira um Bem.
Saint Exuperi diz: Se você não transforma nada, não vai achar a paz.
Enquanto lamentamos o sofrimento como algo ruim, estamos doentes.
Se tivermos a força de aceitar a doença, nós nos curamos.

Tradução e interpretação Frei Adolfo Temme

Obs: O autor é Frade Franciscano, nasceu na Alemanha em 1940.
Chegou ao Brasil como missionário em 1964. Depois de completar os estudos em Petrópolis atuou no Piaui e no Maranhão. Exerceu trabalhos pastorais nos anos 80 em meio a conflitos de terra. Desde 1995 vive em Teresina no RETIRO SÃO FRANCISCO onde orienta pessoas na busca da vida espiritual.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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