Há a percepção geral de que a situação da humanidade não é boa, pois há um acumulação de riqueza absurda em poucas mãos dentro de um mar de miséria e de fome. A situação do Brasil não é melhor. Vivemos perplexos pelas maldades que foram feitas, anulando direitos dos trabalhadores e internacionalizando riquezas nacionais que sustentam nossa soberania como povo. Os que deram o golpe contra a Presidenta Dilma Rousseff possuem um plano de corte radicalmente neo-liberal e estão dispostos a levá-lo até o fim à custa de uma crise atroz e da destruição de qualquer horizonte de esperança.
O que se está fazendo na Europa contra os refugiados, rejeitando sua presença na Italia e na Inglaterra e pior ainda na Hungria e na catolicíssima Polônia, alcança níveis de desumanidade. As medidas do Presidente norte-americano Trump arrancando os filhos de seus pais imigrantes e colocando-os em jaulas, denota barbárie e ausência de qualquer senso humanitário.
Já se disse, “nenhum ser humano é uma ilha… por isso não perguntem por quem os sinos dobram. Eles dobram por cada um, por cada uma, por toda a humanidade”.
Se grandes são as trevas que se abatem sobre nossos espíritos, maiores ainda são as nossas ânsias por luz. Não deixemos que essa demência acima referida detenha a última palavra.
A palavra maior e última que clama em nós e nos une a toda a humanidade é por solidariedade e por com-paixão pelas vítimas, é por paz e sensatez nas relações entre os povos.
As tragédias dão-nos a dimensão da inumanidade de que somos capazes. Mas também deixam vir à tona o verdadeiramente humano que habita em nós, para além das diferenças de raça, de ideologia e de religião. Esse humano em nós faz com que juntos choremos, juntos nos enxuguemos as lágrimas, juntos oremos, juntos busquemos a justiça, juntos construamos a paz e juntos renunciemos à vingança.
A sabedoria dos povos e a voz da nossa consciência nos testemunham: Não é um Estado que se fez terrorista como os Estados Unidos sob Bush que irá vencer terrorismo. Nem é ódio aos imigrantes latinos difundido por Trump que trará a paz. É o diálogo incansável, a negociação aberta e o acordo justo que tiram as bases de qualquer desamparo e fundam a paz.
As tragédias que nos atingiram no mais fundo de nossos corações nos convidam a repensar os fundamentos da convivência humana na nova fase,a planetária, e como cuidar da Casa Comum, a Terra como o pede o Papa Francisco em sua encíclica sobre a ecologia integral.
O tempo é urgente. Desta vez não haverá uma arca de Noé que salve alguns e deixe perecer os demais. Temos que nos salvar todos, a comunidade de vida de humanos e não-humanos.
Para isso precisamos abolir a palavra inimigo. É o medo que cria o inimigo. Exorcizamos o medo quando fazemos do distante um próximo e do próximo, um irmão e uma irmã. Afastamos o medo e o inimigo quando começamos a dialogar, a nos conhecer, a nos aceitar, a nos respeitar, a nos amar, enfim, numa palavra, a nos cuidar; cuidar de nossas formas de convívio na paz, na solidariedade e na justiça; cuidar de nosso meio ambiente para que seja um ambiente inteiro no qual seja possível o reconhecimento do valor intrínseco de cada ser; cuidar de nossa querida e generosa Mãe Terra.
Se nos cuidamos como a irmãos e a irmãs, desaparecem as causas do medo. Ninguém precisa ameaçar ninguém. Podemos caminhar à noite por nossas ruas sem medo de sermos assaltados e roubados.
Esse cuidado será somente efetivo se vier acolitado pela justiça necessária, pelo atendimento às necessidades básicas dos mais vulneráveis, se o Estado se fizer presente com saúde, escolas, segurança e espaços de convivência, de cultura e de lazer.
Só assim gozaremos de uma paz possível de ser alcançada quando houver um mínimo de boa vontade geral e um sentido de solidariedade e de benquerença nas relações humanas. Esse é o desejo básico da maioria dos humanos.
Obs: Leonardo Boff é teólogo, filósofo e escritor e escreveu Etica e espiritualidade: como cuidar da Casa Comum, Vozez 2017.