Em julho deste ano, Igreja Católica publicou uma revisão do decreto “Sacramentum Sanctitatis Tutela”, promulgado em 2001 por João Paulo II. Além de não enfrentar com a energia necessária os graves crimes de pedofilia cometidos por integrantes do clero, o documento ousa colocar a ordenação de mulheres na lista de “crimes mais graves” quanto às questões sacramentais.  Católicas pelo Direito a Decidir publica a seguir -e como editorial- o artigo em que a teóloga brasileira Ivone Gebara manifesta seu repúdio a mais essa manobra de encobrimento dos abusos sexuais cometidos por padres e mais esse ataque contra as mulheres, promovido pelo Vaticano.

Em diferentes partes do mundo, grupos de teólogas feministas e, sobretudo, grupos que lutam pela ordenação das mulheres têm se manifestado contra a junção num mesmo documento do delito da pedofilia e do “chamado” delito das mulheres que foram ordenadas ou daquelas que lutam pela ordenação presbiteral. Creio que os canonistas poderiam se defender contra os ataques das feministas em relação a essa lista de novos delitos contra a ortodoxia da Igreja Católica Romana alegando que já em outros documentos eclesiásticos essa condenação existia.

De fato, o que está nessa lista renovada sobre a ordenação das mulheres já estava presente no “Sacramentorum Sanctitatis Tutela”, documento promulgado em abril de 2001 sob o Pontificado de João Paulo II, e no Código do Direito Canônico, cânon 1378. Portanto, a condenação não é nova. Da mesma forma, há nos documentos da Igreja penalidades contra os delitos sexuais, incluindo-se a pedofilia. Portanto, nesse particular também não há novidade.

Entretanto, vejo nesse momento a reafirmação pública da condenação da ordenação das mulheres colocada no mesmo texto das penalidades aos pedófilos clérigos, incluindo-se os que detêm patentes clericais uma questão de ordem ética gravíssima. Uma coisa é a transgressão de uma regra canônica em relação à divisão de funções na Igreja (a ordenação sacerdotal é inclusive permitida em outras igrejas cristãs) e outra coisa é o uso de crianças ou de menores como objetos de satisfação sexual. No Documento “Sacramentorum Sanctitatis Tutela” há um elenco de delitos contra todos os sacramentos. Nessa “Renovação dos Delitos”, propõe-se uma reafirmação da lista de delitos, mas esconde na realidade um outro grande delito. Este se refere ao temor de enfrentar a problemática da pedofilia nas instituições da Igreja, aliás uma questão eminentemente masculina. Tornando pública uma condenação contra as mulheres, a atenção em relação “ao clube dos good boys” e suas más ações fica desviada e dividida. Criam-se novas polêmicas e dilui-se o foco do problema.

Creio que, nesse momento, nossa posição como mulheres não deveria ser de defesa do direito à ordenação sacerdotal, mas fundamentalmente a de denunciar e repudiar o uso inapropriado dessa “velha” condenação para ocultar os velhos e atuais crimes da instituição. Esses crimes são em parte legitimados pela manutenção de uma leitura da tradição cristã que continua sendo hierárquica, dualista, sexista e prepotente. Temos que retomar o FOCO da questão atual: a pedofilia do clero como crime contra a humanidade. É esse grande e grave delito que está sendo julgado e condenado. E é em relação a ele que se exige das comunidades católicas e da sociedade uma tomada de posição clara e vigorosa, já que os hierarcas tentam de diferentes maneiras diminuir ou simplesmente não assumir a gravidade real problema.

[*Texto promulgado a 30 de abril de 2010 e assinada pelo Cardeal Levada, atual Presidente da Congregação].

Obs: Ivone Gebara é filosofa e teóloga feminista. Foi professora do Instituto de Teologia do Recife e trabalhou na formação de agentes de pastoral para o meio popular sobretudo do nordeste do Brasil. Doutora em Filosofia e Doutora em Ciências religiosas é autora de muitos livros e artigos. Vive atualmente em São Paulo e pertence à Congregação das Irmãs de Nossa Senhora.

É autora de mais de 30 livros publicados e dezenas de artigos sobre a temática.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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