O júri se realizava na sala principal da Prefeitura, juiz, promotor, advogado de defesa, jurados e serventuários ostentando ternos, o que dava um tom solene à monotonia do dia. A gente se espremia entre as pessoas para assistir ao seu desenrolar, num espaço bem diminuto. Era o sinal mais evidente da Justiça funcionando. Depois, passou a Comarca a ter espaço próprio, na Praça da Matriz, forum construído no lugar onde um sobrado abrigava a banda. O júri, então, ganhou um espaço maior. Eu vi júri na sala da Prefeitura e, depois, já estudante de Direito, na do Forum.

Em uma sala e, depois, na outra, as pessoas, que mais me chamavam à atenção, não vestiam terno, não ostentavam diploma em Direito, nem eram as que acusavam o réu e as que o defendiam. Por ordem meramente cronológica, cito os nomes: Adalberto Araújo e Maria Helena Silveira. Eram eles que datilografavam os termos do júri, o interrogatório do acusado, o depoimento das testemunhas, tudo, enfim, ele, raríssimas vezes, ela a maioria absoluta. Um e outro era ouvindo o juiz ditar alguma coisa e os dedos na máquina de datilografia se movimentavam com uma rapidez impressionante, a me deixar de boca aberta. Como eram rápidos! A essa altura, eu ainda não tinha tido nenhum contato com a máquina de datilografia, não guardando nenhuma idéia de como funcionava, de modo que a admiração subia ao patamar máximo. Guardo dos dois a imagem de, debruçados numa máquina, datilografando com a velocidade de um avião supersônico, os dedos correndo pelas teclas, sem direito a qualquer parada, o rosto de ambos a guardar a serenidade de quem dominava o serviço. Eu me deleitava com o desempenho de ambos, deixando nascer a vontade de, um dia, também mexer na máquina, perseguindo o saber datilografar.

Quando juiz de Nossa Senhora da Glória, interrogando três acusados numa só tarde, morri de inveja dos juízes de Itabaiana que fizeram e faziam júri com Adalberto Araújo e/ou Maria Helena Silveira comandando a máquina de datilografia. O serventuário, encarregado de datilografar os interrogatórios, para minha maior contrariedade, se utilizava de um só dedo, a catar tecla por tecla, uma flanela na perna a enxugar o suor da testa a cada lenta teclada que dava, o que me causou um tremendo mal estar, a sonhar com o impossível, ou seja, com a presença de Adalberto Araújo e/ou Maria Helena Silveira ali, naquela exata hora, para eu ditar o que deveria constar como respostas dos acusados e um ou outro sair datilografando, com a rapidez devida. Terminei me resignando com a câmara lenta do serventuário, cujas tecladas me lembravam os movimentos de uma preguiça que habitava o Parque, no Aracaju, nos meus tempos do curso clássico.

Me considero um bom datilógrafo, com mais de meio século de atividade permanente, tendo, por concurso público, trabalhado como datilógrafo no Instituto Nacional de Previdência Social e, depois, na Justiça Federal de Sergipe. Como juiz, sempre datilografei minhas sentenças, e, ainda hoje, no segundo grau, me encarrego daquelas que já redigo direto no computador. O tempo, contudo, não diminuiu a admiração nascida nos tempos de menino por Adalberto Araújo e Maria Helena Silveira. Fosse juiz de direito da comarca de Itabaiana, colocaria no Forum uma placa em homenagem aos dois, para o registro devido. Recado dado. (18 de fevereiro de 2017)

Obs: Publicado no Correio de Sergipe
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Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras

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