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Quando judiquei numa comarca do interior capixaba, tive em mãos um inquérito policial instaurado contra um cidadão que tentou o suicídio.
Naquela época, como hoje, a tentativa de suicídio não é definida como crime. Só é crime induzir alguém a suicidar. Entretanto a autoridade policial optou pela abertura de inquérito por duas razões: primeiramente, por entender que a matéria era muito delicada e devia passar pelo crivo judicial. Em segundo lugar porque uma parcela da opinião pública local viu no gesto suicida, felizmente mal sucedido, um exemplo nocivo para a sociedade. As pessoas que assim pensavam entendiam que Prisilino (nome hipotético), o tresloucado suicida, devia ter seu ato julgado pelo magistrado, como uma advertência a todo o corpo social, de modo que ninguém seguisse o mau exemplo. No caso que estou trazendo a exame, o motivo para o ato insano foi o ciúme, este sentimento universal que Shakespeare imortalizou na tragédia de Otelo. O pivô da desventura foi a esposa do suicida frustrado.
Decidi pelo arquivamento do inquérito mas entendi que esta decisão não podia ser proferida em duas linhas. Procurei entender o universo interior que atormentava aquela pessoa. Prisilino precisava ser ouvido e entendido. O juiz devia descer a seu mundo. A lei não é externa e racional, nem é uma realidade autônoma. Pelo contrário, encontra seu fundamento na linguagem do simbólico.
Casos como este e outros, frequentes no cotidiano da Justiça, demonstram que advogados, membros do Ministério Público e juízes não podem ter apenas uma cultura jurídica. Entretanto, na mente dos profissionais do Direito parece preponderar a idéia de que o Direito se esgota nele mesmo. Ainda são limitados a círculos estreitos os esforços para se ter do fenômeno jurídico uma compreensão multidisciplinar. Com mais constância, profissionais não-jurídicos buscam os canais de comunicação de suas ciências com o Direito, do que o contrário.
A lei para a ordem jurídica é externa. Pretende impor uma pauta de comportamento individual e social para todas as pessoas indistintamente. Mesmo as exceções que se admitem a essa pretendida generalidade, são exceções generalizadoras.
A lei para a Psicanálise é interna.  Cada indivíduo é um universo. Na visão psicanalítica, a lei é irracional porque o comportamento humano é ditado pelas pulsões, pelo desejo, pelo inconsciente, não pela racionalidade.
Ainda na perspectiva do psicanalista, a lei baseia-se fundamentalmente no passado, no inconsciente, na ancestralidade. Não é uma realidade autônoma, mas realidade íntima que encontra seu fundamento último na linguagem do simbólico.
Há imensa utilidade numa troca de perspectivas entre juristas e psicanalistas.

Obs: O autor é magistrado aposentado (ES), escritor, professor, palestrante.
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Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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