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1. Festa de São Pedro do Povo de Deus
Levítico 11,44

Por que apenas São Pedro?…

Porque, de fato, é de quem o povo se lembra, todo ano, por sinal, no dia mesmo que a tradição reconhece como o dia do seu martírio, 29 de junho, embora por razões práticas, por não ser mais feriado, quando a data não cai no domingo, no Brasil, se adie a celebração litúrgica para o domingo após esse dia.

São Paulo, em que pese sua importância para a vida das Comunidades cristãs e para toda a Igreja, entre nós, não caiu no gosto popular. E como já tem uma grande cidade, a maior do país, com seu nome, comemorando seu aniversário justamente no dia em que a Igreja comemora, liturgicamente, a “conversão” de São Paulo, parece pastoralmente mais conveniente, celebrar este grande santo nesta data. Semelhantemente ao que sugerimos para seu companheiro de martírio, quando o dia 25 de janeiro não cair no domingo, poderia celebrar-se a sua festa no domingo seguinte.

Mas vale a pergunta: por que apenas São Pedro caiu no gosto do povo?…

É possível que o fato de ser de Paulo gente da elite, tanto religiosa, quanto civil, haja visto que possuía cidadania romana, seu jeito “fariseu”, de grande rigor moral, e seu nível intelectual, o tenham tornado menos simpático ao povão.

Pedro, ao invés, ora “faroleiro”, como todo pescador, ora fraco, como todo pecador, parece mais próximo da experiência existencial e cotidiana do povo, cativando assim, mais naturalmente, sua simpatia.

É interessante perceber como Jesus, em sua divina grandeza e coerência, tanto sabe premiar este pobre pescador com a distinção de considerá-lo o “primeiro servidor” entre os Apóstolos, pela espontaneidade e entusiasmo da sua fé: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo!” (Evangelho de Mateus 16,16), quanto sabe misericordiosamente perdoá-lo nos seus momentos de fraqueza, sem por isso, diminuir a sua consideração ou retirar-lhe a incumbência. Vale a pena recordar a cena da “negação”, tal como retratada no Evangelho de Lucas:

<<Eles prenderam e levaram Jesus à casa do sumo sacerdote. Pedro seguia Jesus de longe. Acendram uma fogueira no meio do pátio, e sentaram-se ao redor. Ora, uma criada viu Pedro sentado perto do fogo. Encarou-o bem, e disse: “Este aqui também estava com Jesus!” Mas Pedro negou:” Mulher, eu nem o conheço.” Pouco depois, outro viu Pedro e disse: “Você também é um deles.” Mas Pedro respondeu: “Homem, não sou, não.” Passou mais ou menos uma hora, e outro insistia: “De fato este aqui também estava com Jesus, porque é galileu.” Mas Pedro respondeu: “Homem, não sei do que você está falando.” Nesse momento, enquanto Pedro ainda falava, um galo cantou. Então o Senhor se voltou, e olhou para Pedro. E Pedro se lembrou do que o Senhor lhe havia dito: “Hoje, antes que o galo cante, você me negará três vezes.” Então Pedro saiu para fora e chorou amargamente.>> (Evangelho de Lucas 22,34-61).

A este mesmo Pedro, após a sua ressurreição, Jesus perguntará, coincidentemente, por três vezes: “Simão, filho de João, você me ama?”… E esse diálogo, exigente e insistente, assim foi descrito por João, no quarto Evangelho:

<<Depois de comerem, Jesus perguntou a Simão Pedro: “Simão, filho de João, você me ama mais do que estes outros?” Pedro respondeu: “Sim, Senhor, tu sabes que eu te amo” Jesus disse: “Cuide dos meus cordeiros.” Jesus perguntou de novo a Pedro: “Simão, filho de João, você me ama?” Pedro respondeu: “Sim, Senhor, tu sabes que eu te amo” Jesus disse: “Tome conta das minhas ovelhas.” Pela terceira vez Jesus perguntou a Pedro: “Simão, filho de João, você me ama?” Então Pedro ficou triste, porque Jesus perguntou três vezes se ele o amava. Disse a Jesus: “Senhor, tu conheces tudo, e sabes que eu te amo.” Jesus disse: “Cuide das minhas ovelhas.”>> (Evangelho de João 21,15-17).

E o discípulo, que por três vezes negara seu Mestre, precisou professar por três vezes seu amor ao mesmo, para receber dele, por três vezes, igualmente, a missão de cuidar do rebanho, até o ponto dedar a vida pelo mesmo, como fizera seu Mestre (cf Evangelho de João 21,18-19).

Mas o mais interessante vai ser encontrar o próprio Pedro, mais tarde, em pleno exercício do seu ministério, escrevendo para pessoas recém-batizadas (pasmem!) essas solenes e grandiosas palavras:

<<Aproximem-se do Senhor, a pedra rejeitada pelos homens, mas escolhida e preciosa aos olhos de Deus. Do mesmo modo, vocês também, como pedras vivas, vão entrando na construção do templo espiritual, e formando um sacerdócio santo, destinado a oferecer sacrifícios espirituais que Deus aceita por meio de Jesus Cristo. (… …) Vocês, porém, são raça eleita, sacerdócio régio, nação santa, povo adquirido por Deus, para proclamar as obras maravilhosas daquele que chamou vocês das trevas para a sua luz maravilhosa. Vocês que antes não eram povo, agora são povo de Deus (…).>> (1ª. Carta de Pedro 2,4-10).

Que maravilha, escutar este pescador de peixes feito “pescador de gente” (cf Evangelho de Mateus 4,19), considerado por Jesus como “pedra” de base da sua Igreja (cf o Evangelho de hoje: Mateus 16,18), humildemente reconhecer, primeiro que a “pedra fundamental” mesma da Igreja é Jesus. Em seguida, olhar para todos e todas nós com essa compreensão grandiosa: vocês todos e todas são pessoas chamadas a fazer parte da construção do “Templo” verdadeiro de Deus… Vocês são as “pedras vivas” deste Templo!… Mais: vocês são chamadas e chamados a exercer um “sacerdócio santo”, a “oferecer sacrifícios espirituais que Deus aceita por meio de Jesus Cristo”… E como “raça eleita, sacerdócio régio, nação santa”, como “Povo de Deus”, vocês são as pessoas destinadas a “proclamar as obras maravilhosas” de Deus, ou seja, vocês todos e todas são as testemunhas do Evangelho.

Pelo visto, a Igreja confiada por Jesus aos cuidados de Pedro nada tem a ver com uma Igreja clerical, onde cordeiros e ovelhas ficam o tempo todo dependendo da iniciativa, das ordens ou dos serviços dos pastores… Pelo visto, a Igreja confiada a Pedro por Jesus é coisa de todos e todas nós: quando nos encontramos reunidos em nome de Jesus, “ele está no meio de nós” (cf Evangelho de Mateus 18,20), somos com ele e nele o Templo vivo de Deus… Todos e todas somos sacerdotes e sacerdotisas, a ofertar o que realmente agrada a Deus, nossas vidas, em Jesus, com Jesus e por Jesus a Deus (cf Carta de Paulo aos Romanos 12,1-2), Eis o que celebramos no “ofertório”, cada vez que fazemos a Ceia do Senhor… Todos e todas, testemunhas assumidas da Palavra que liberta e salva a humanidade…

Eis a Igreja, NÓS! Que, já no Sermão da Montanha, somos gente destinada a ser “sal”, que fertiliza, dá sabor e conserva… “luz”, que alumia pelas “obras”, que levam as pessoas a “louvar o Pai”… “fermento”, que transforma toda a massa (cf Mt 5,14-16; 13,33).

Imaginem quando, pelo menos, boa parte das pessoas batizadas se conscientizarem disso e o assumirem!

Imaginem o que seria o Brasil, “o maior país católico do mundo”, se todas as pessoas que, desde o início da colonização, 518 anos atrás, tivessem tido essa consciência, essa postura, esse desempenho profético, sacerdotal e régio-pastoral!

São Pedro, pescador e pastor, servidor de um povo com esse perfil, rogue por nós!

Enquanto nosso encontro mais vibrante for apenas para “torcer pelo Brasil” de quatro em quatro anos… enquanto nosso grito mais forte for apenas para gritar “gô-o-o-o-o-ol!”…, nunca veremos, efetivamente, essa nossa “Pátria” ser a “Mãe Gentil”, que gostaríamos que fosse para todos os seus filhos e filhas!

2. Domingo do Carpinteiro, Filho de Maria
Marcos 6,1-6

Santo de casa não faz milagre!”, em resumo foi o que aconteceu naquele sába-do, em Nazaré. E a gente se poderia per-guntar se não voltou a acontecer, esta semana, aqui onde a gente mora, vive, tra-balha, luta e se diverte.

Imaginamos encontrar Jesus, o Salvador, aqui e agora, neste espaço e momento de celebração. Foi para isso que aqui chega-mos…

Mas, e lá na nossa casa… lá na nossa rua… lá no nosso trabalho ou na nossa escola… lá no clube ou na beira da praia… será que de várias maneiras e em muitas oportunida-des, ele, o Salvador, não terá cruzado no nosso caminho e nos oferecido uma chance de “salvação”, de mudança, de renovação, de conversão, de uma novidade verdadei-ramente boa para nós, para nosso grupo, para nossa comunidade eclesial, para nossa classe social, para nosso povo, enfim… Mas era um Zé Ninguém que nos falava, uma Maria qualquer que nos abordava… e não íamos perder tempo em sequer escutar gente assim… E nosso preconceito nos fez perder uma oportunidade que nunca mais voltará…

Agora estamos aqui: nossa celebração, nosso canto vai poder resgatar pelo menos nossa capacidade de arrependimento, e nos tornar mais atentos aos “sinais dos tempos” e a aqueles e aquelas que, na simplicidade do cotidiano, vêm a nós “em nome do Senhor”, e nós, talvez, não o percebamos?…

Enquanto isso, na Câmara dos Deputa-dos, onde se debate e se tomam decisões a respeito da vida de todo o povo, enquanto rola a Copa do Mundo, Depu-tados, alguns de Bíblia nas mãos, estão querendo votar e aprovar a “PEC do Veneno”, e um outro projeto que dificulta a comercialização dos alimentos orgâni-cos… Dê uma olhada na lista dos Depu-tados de seu Estado, nome por nome, e veja os que votarão SIM por esses “cri-mes hediondos”! Mas veja também o que fazer nas próximas eleições.

……………………………

CARTA ENCÍCLICA “LAUDATO SI’”
Papa FRANCISCO sobre o
CUIDADO DA CASA COMUM (24.05.2015):

2. Esta irmã clama contra o mal que lhe provocamos por causa do uso irresponsável e do abuso dos bens que Deus nela colocou. Crescemos a pensar que éramos seus proprietários e dominadores, autorizados a saqueá-la. A violência, que está no coração humano ferido pelo pecado, vislumbra-se nos sintomas de doença que notamos no solo, na água, no ar e nos seres vivos. Por isso, entre os pobres mais abandonados e maltratados, conta-se a nossa terra oprimida e devastada, que «geme e sofre as dores do parto» (Rm 8, 22). Esquecemo-nos de que nós mesmos somos terra (cf. Gn 2, 7). O nosso corpo é constituído pelos elementos do planeta; o seu ar permite-nos respirar, e a sua água vivifica-nos e restaura-nos.”

Mais adiante, o Papa cita o Patriarca Ecumênico de Constantinopla, Bartolomeu:

8. (…) «todos, na medida em que causamos pequenos danos ecológicos», somos chamados a reconhecer «a nossa contribuição – pequena ou grande – para a desfiguração e destruição do ambiente». «Quando os seres humanos destroem a biodiversidade na criação de Deus; quando os seres humanos comprometem a integridade da terra e contribuem para a mudança climática, desnudando a terra das suas florestas naturais ou destruindo as suas zonas húmidas; quando os seres humanos contaminam as águas, o solo, o ar… tudo isso é pecado».[15] Porque «um crime contra a natureza é um crime contra nós mesmos e um pecado contra Deus»

Obs: Reginaldo Veloso de Araújo é Presbítero das Comunidades Eclesiais de Base – CEBs, no Morro da Conceição e Adjacências, Recife-PE.
Compositor litúrgico, com diversos CDs gravados pela COMEP/Paulinas e pela PAULUS
Assistente adjunto do Movimento de Trabalhadores Cristãos – MTC-NE2
Assessor pedagógico do Movimento de Adolescente e crianças – MAC e do PROAC
Membro da Equipe de Reflexão sobre Música Litúrgica do Setor de Liturgia da CNBB
Mestrado em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana – PUG (Roma, 1962)
Mestrado em História da Igreja, pela PUG (Roma, 1965).

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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