Num amontoado de trecos, espalhados pela calcada, velhos e sujos, dona Alaíde repousava a cabeça sobre uma boneca amputada nas pernas e nos braços. Eu ficava olhando para aquela senhora e me perguntava como podia a sua cabeça se aquietar apenas naquela região tão curta da boneca. Mas o fato é que ela dormia, e o semblante refletia um sono em paz. O corpo castigado pela idade e por tantas outras coisas que a vida lhe ofertou transparecia muito cansaço, muito. Ao lado, a cuia de queijo, toda enferrujada, continha poucas moedas, indicando que o dia não tinha sido nada rentável.
Muitos passavam por ela; alguns se espremiam com receio de tocá-la. Outras nem olhavam, tratavam-no como se fosse algo que gerasse repúdio. A cuia permanecia vazia de moedas.
Dona Alaíde prosseguia no seu sono e talvez sonhasse mesmo com realidades prazerosas, bem diferentes das vividas por ela no dia a dia. Isso era bom porque massageava a alma e servia como bálsamo para prosseguir a jornada dura, cercada de muitas dificuldades.
De repente, um cão se aproximou dela e lambeu-lhe o rosto de forma carinhosa, como se dissesse: Como vai, dona Alaíde?
Eu, do meu canto, parada no sinal, dentro do carro, esperando atravessar a rua, agradecia aquele gesto de um animal desprovido de inteligência, porque os racionais, perdoem-me, provocam-me nojo e vergonha…
Entrego a Deus os corações insensíveis…