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A única certeza que podemos ter em nossas vidas é a morte. E mostram as estatísticas, que as pessoas mais idosas estão mais próximas dela, até mesmo pelo final do ciclo iniciado com o nascimento. Entretanto, em nossa cultura, não nos preparamos adequadamente para vivenciar esse momento. Nem o nosso próprio, como também os dos nossos parentes e amigos. A morte sempre é vista como uma perda, uma separação, algo irreversível. E nossos mortos, acabam entrando num nicho onde acabam semi-esquecidos.

Eu sempre tento estar preparado para essa vivência, até mesmo devido à idade avançada dos meus pais, ambos na casa dos oitenta anos. Eu acredito na reencarnação, que dá um sentido à vida e uma sequência à existência dos nossos espíritos, neste ou em outros planos. E sempre em estado de aprendizado, avançando para mais perto de Deus, embora não creia que cheguemos a estar ao lado Dele algum dia…

Teóricamente, claro, pois na prática, tudo desmorona, devido à própria imperfeição do meu espírito, ainda tão atrasado na escala evolutiva.

Recentemente, no episódio que envolveu a internação da minha mãe, fui duramente testado e colocado à prova. Enquanto constatei que ela não estava bem, que sua pressão arterial estava altíssima, que era necessário levá-la a um pronto socorro para que fosse adequadamente medicada, tudo bem; agí com a calma e a aparente frieza necessárias. Uma vez constatado que seu estado era grave e que necessitava passar algumas horas sob cuidados intensivos em uma UTI, antes de ser submetida a um cateterismo, meu sangue frio desapareceu e o medo se instalou em meu peito. Deixá-la dentro de uma sala fechada, com o corpo todo ligado a diversos aparelhos, várias pessoas totalmente desconhecidas manuseando-a, invadindo seu organismo com injeções e remédios que nem ela tinha consciência total de que estava ou não precisando, foi um martírio, um verdadeiro massacre psicológico. E ainda por cima não podia ficar por perto. Só eram permitidos dois horários diários de visitas (limitadas a duas por vez), com meia hora de duração cada. Nas outras vinte e três horas nem ao menos podíamos ser informados sobre o seu estado, a menos que se agravasse a ponto de ser cogitada a sua morte. Foram dois dias vividos numa espécie de limbo, onde todas as preocupações, todos os sentidos, todas as orações, enfim, cada ato, cada pensamento era dirigido a ela. À minha mãe. 

E o meu padrasto, que amo talvez mais do que amei meu pai, num estado emocional lastimável. Eu ainda sentia a necessidade de animá-lo, de fazer-lhe companhia, de transmitir-lhe cuidados, carinho e amor. Pois a companheira de toda uma vida estava enfrentando uma batalha difícil, que precisava travar sozinha. Ninguém poderia fazer-lhe companhia. Assim, me ví na iminência de perder a minha mãe, totalmente fragilizado por essa possibilidade e ainda precisando fazer-me de forte para apoiar o meu padrasto que, naqueles momentos, certamente estaria ainda mais fragilizado do que eu. 

Passada a fase mais crucial, feito o cateterismo e constatados os problemas que precisam ser resolvidos em sua saúde, ela pode, enfim, passar para um apartamente, onde podíamos passar o dia ao seu lado. Ele estava tão feliz que parecia uma criança quando ganha um brinquedo novo. Agilmente correu para casa para preparar uma maleta com algumas roupas e objetos, parecendo estar se preparando para uma pequena viagem. E ficou com minha mãe todos os dias, até a alta definitiva, quando fomos todos para casa. 

Nessa altura eu já havia me recobrado do susto, estava novamente de posse do meu sangue frio, tomando providências, fazendo o que era necessário com habilidade quase profissional. Mas confesso que nos primeiros dias baqueei. Fiquei apreensivo, nervoso, com receio de atender o telefone. Aí percebí todo o meu despreparo para esse assunto difícil, que é a morte. Já não tenho certeza se a temo ou se me sinto preparado para enfrentá-la, como acreditava até bem pouco tempo.

Falar da morte, da passagem de uma vida conhecida para outra, desconhecida, até que não é tão difícil. O difícil mesmo é lidarmos com a possibilidade real e, pior, com o fato consumado. Eu não tenho a menor idéia de como reagirei quando chegar o momento de despedir-me de minha mãe, ou mesmo do meu padrasto. Já tive algumas perdas grandes, mas nenhuma tão grande quanto a do convívio com eles. E também não consigo imaginar-me morrendo. Parece algo quase abstrato, embora tenha a certeza absoluta de que em algum momento de minha vida, isso acontecerá. Mas confesso minha total incapacidade em pensar nisso. 

Falar da morte, da passagem de uma vida conhecida para outra, desconhecida, até que não é tão difícil. O difícil mesmo é lidarmos com a possibilidade real e, pior, com o fato consumado. Eu não tenho a menor idéia de como reagirei quando chegar o momento de despedir-me de minha mãe, ou mesmo do meu padrasto. Já tive algumas perdas grandes, mas nenhuma tão grande quanto a do convívio com eles. E também não consigo imaginar-me morrendo. Parece algo quase abstrato, embora tenha a certeza absoluta de que em algum momento de minha vida, isso acontecerá. Mas confesso minha total incapacidade em pensar nisso. 

Será que sou tão arrogante a ponto de me julgar imortal?

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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