Dannie Oliveira 1 de junho de 2018

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De repente você está ali. Numa casa nova (seminova ou reformada) preparada para novos tempos. Olha o espaço ao redor e no minuto seguinte examina as fechaduras das portas e satisfeita percebe que todas estão impecavelmente funcionando se abrindo num leve gesto. Olha os vidros da janela … intactos um tanto sujos, mas nada que uma limpeza não resolva. Percorre o chão focada em observar as minúcias de cada lajota da sala, dos quartos, do banheiro e da área de limpeza. Concluí segundos depois que 75% estão inteiras e que somente em uma e outra aparece uma pequena rachadura, uma imperfeição. Você se certifica com a ponta dos pés com um chute de leve a segurança (ou insegurança) daquela mínima elevação, se andando no escuro qualquer noite dessas você não vai se estatelar no meio da casa. Confere as torneiras, o chuveiro e pronto é hora de buscar as coisas e arrumar tudo.

Casas de aluguel no início parecem assim … um tanto perfeitas. Você vem naquela empolgação de se mudar para um novo espaço, de esquecer os problemas com o lar anterior que logo está ali com aquela certeza que vai ser diferente. Você acredita que agora, locada pela imobiliária todos os seus problemas acabaram. Que você vai morar em paz e na primeira dor de cabeça, como aquela goteira no teto eles vão resolver. E aí um mês depois com trâmites e contratos fechados você descobre que a pintura na parede era só uma fachada para camuflar o ‘real cenário’ dali.

Que aquele cheiro estranho no seu quarto é o mofo atrás do guarda-roupa que se propagou porque a parede do cômodo desconhece o que é sol. Percebe uma rachadura de quase um metro enfeitando a janela do cantinho da sua filha. Olha a água descendo pela torneira de uma cor estranha, verde de tanto lodo na caixa d’água o suficiente para montar um aquário cheio de peixes. Nota uma mancha escura despontando do teto e escorrendo pelo forro bem acima da porta no corredor e que você não é a única inquilina daquele lugar, já que toda tarde um camaleão vem dormir acima da sua cabeça. E consciente de que é a única espécime por ali, você se vê tempos depois correndo no meio da casa com uma vassoura e uma sandália atrás das centopeias que vem não se sabe de onde!

Determinada você liga para a imobiliária para perguntar quando vão fazer a manutenção. Você ouve ‘que em breve’. Na vez seguinte ‘que estão indo’ (e não vão). Na outra que ‘o rapaz vai no final de semana’ (é claro que ele não foi). Que já estão ‘a par do problema’. E para consagrar a sua cara de tacho você para a sua tarde para tentar resolver as coisas no setor de locação. Eles até sorriem quando te vem, mas no fim daquela conversa depois de relatar tudo, a funcionária diz que a imobiliária não pode fazer nada. Que é responsabilidade do dono do imóvel em zelar e fazer melhorias para atender o inquilino. Bem orientada (ou mal) a mulher se exime da responsabilidade e quando tenta empurrar o dramalhão para o rapazinho da vistoria que acaba de entrar na sala, ele revela na frente de todo mundo que morre de medo da proprietária. Seria cômico se não fosse trágico!

Mesmo com tudo isso você espera que um dia eles apareçam por lá. Até entra num consenso com os outros vizinhos, que bolam uma rebelião, ‘ninguém paga nada, até eles consertarem’ afirma o homem da casa ao fundo. A esposa dele mais desacreditada diz que essa história não é de hoje, que já faz dois anos e talvez uma vez o pessoal da imobiliária esteve por ali há muito tempo atrás. Dois dias depois você avista o sujeito do aluguel, o promoter trazendo um novo casal para ver a casa da frente. Você esboça aquele sorriso amarelo (cínico) quando percebe os estranhos. Torce mentalmente para que os dois descubram a roubada em que estão se metendo antes de entrar. Meia hora depois o jovem rapaz gostou da casa, mas a jovem moça é enfática que não quer ficar. A vontade é de dar um tchauzinho só para comemorar o insucesso do outro, mas aquele sentimento ruim em seu âmago não faz parte de você e retirando a última colcha do varal da frente você entra para seu lar doce lar. Inconformada senta no sofá enquanto a pia do banheiro insiste em pingar.

Vida de inquilina. Sonhos de locatária. Enquanto a sua casa não vem, enquanto o lar doce lar fica nos planos de financiamento da Caixa você tenta se conformar que uma hora o pessoal da imobiliária vai fazer jus ao seu pagamento em dia do aluguel. Que o tiozinho da manutenção vai aparecer e que logo, logo você terá a boa residência bonitinha de volta. Só resta esperar ou procurar o Procon…

Obs: Imagem enviada pela autora

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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