Os fogos duraram exatamente trinta minutos. Fogos que, sob a batuta de músicas entoadas, pareciam feitos um para o outro, na harmonia dos passos com a combinação dos fogos com os sons. Até uma das Bachianas, de Vilas-Lobos, foi trazida ao palco. Os fogos subiam, em movimentos harmonicos, se entrecuzando lá em cima, enquanto outros davam a profunda impressão de que nasciam no céu, surgindo de repente, uns em lances que lembravam cobras se movimentando com rapidez, tudo para o gáudio de quem via, como eu vi, bem situado na Piaza Vittorio Venutto, em Torim. Valeu esperar sentado, no cimento da calcada, ao lado de centenas de pessoas. Pedro, que se impacientava, captou alguns lances no seu celular, enquanto eu lançava os olhos em Itabaiana para pincelar da memória o nome de Daniel de Felismo, ele mesmo.

E o que Daniel tem a ver com a exibicão de fogos, numa cidade italiana, num sábado à noite, justamente o dia de São João, o San Giovanni de Turim? Tenho de ser mais claro. Daniel era um filósofo, desses que só nasce de cinquenta em cinquenta anos, e, como tal, um contador de histórias e de fatos, e, entre os quais, destacava ter ouvido de alguém conhecido que foguetes bons eram de seu pai, Felismino fogueteiro, os melhores que apareciam nos festejos juninos de Itabaiana. Mas, Daniel, pé no chão, desconfiado do elogio a figura paterna, invocou os foguetes de seu Boanerges, ao que o seu interlocutor esclareceu que estes subiam demais, ficando todos, cá de baixo, com o pescoço doendo de tanto olhar para o alto. Daniel caiu, então, na besteira de perguntar: e os de meu pai? Entonce, recebeu como resposta que os foguetes de seu Felismino eram bons porque ficavam arrodeando as pessoas, na altura das pernas, era todos correndo e o foguete indo junto.

Pois bem. Foi do que me lembrei quando via os fogos descendo do céu, em linhas retas, ou em curvas, em lances de luz que caíam na noite como se fossem uma cachoeira de variadas cores, ou uma longa cabeleleira, de chamar a atenção de todos pela beleza ostentada, além do que, ao despontarem no céu, davam a nitida impressão de estarem sendo soltos naquele exato local por mãos invisíveis. E bem dificil supor que os velhos fogueteiros de Itabaiana, como seu Boanerges e Felismino, aqui nascidos e criados, e outros que o nome me escapa agora, podessem imaginar a existência do espetáculo que vi, e, ainda mais, para usar um verbo mui comum, abrilhantado por músicas que não tocadas pela Filarmônica Nossa Senhora da Conceição.

Na noite de San Giovanni, em Torim, ou na noite de São João, em Itabaiana, dos meus tempos de menino, a beleza é a mesma. Os fogos de lá, feitos de encomenda por técnicos para um festejo que se transforma em espetáculo. Os foguetes rústicos daqui, fabricados por homens que aprenderam o que os mais velhos daqui mesmo ensinaram, encheram de luz e de bombas os céus de Itabaiana, sobretudo nas novenas e trezenas de Santo Antonio, quando Capitu, de tição ou charuto, fazia subir os foguetes, um por um, embalado por uma ordem direta que guardei na memória: – Fogo, Capitu! E o foguete subia o céu na escada da noite escura, deixando atrás um rasto de fogo para ia papocar na sua descida.

De tudo me lembrei, em Turim, na noite de San Giovanni. (22 de julho de 2017)

Obs: Publicado no Correio de Sergipe

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Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras

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