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A missão de quem crê é semear ressurreição”, afirma Dom Pedro Casaldáliga. Pessoas dos mais diversos caminhos espirituais fazem isso quando testemunham que a proposta divina é um amor transformador das estruturas. Estamos vivendo um tempo de intolerâncias, ódios e radicalismos de direita. Nesse contexto, retomamos um ensinamento de Etty Hillesun. Nos tempos do Nazismo, essa jovem judia, condenada à morte, esperava a hora da execução em um campo de concentração. E ela afirmou: “Eles podem roubar tudo de nós, menos nossa humanidade. Nunca poderemos permitir que eles façam de nós cópias de si mesmos, prisioneiros do ódio e da intolerância”. A espiritualidade social e política libertadora nos torna capazes de sermos radicais em nossas opções e posicionamentos, sem abrir mão de nossa capacidade de amar e de nossa ética de respeito à dignidade do outro, seja ele quem for. É isso que as pastorais sociais fazem quando revelam que a transformação do mundo se faz a partir de baixo. É a inserção cotidiana nas bases que, como um trabalho de formiguinha vai semeando no mundo um jeito novo e amoroso de fazer trabalho social e político. Essa é a inspiração do Amor Divino nos corações humanos e que deve transformar as estruturas do mundo. Assim testemunhamos que Deus é Amor. Esse amor está presente como energia criadora e permanente no universo e dentro de cada um de nós. No mundo, animais e até plantas se mostram sensíveis a uma música bela e se desenvolvem quando são tratados com amor. No universo mais amplo, a Física contemporânea mostra que o movimento e os ritmos são propriedades essenciais da matéria. Os grandes cientistas da Cosmologia (por exemplo, Fritjof Capra) concordam que toda matéria – tanto na Terra como no espaço – está envolvida numa dança cósmica. Isso não é metáfora. É real. O caminhar rítmico dos astros e o correspondente movimento da Terra que influi nos mares e no pulsar da Terra, assim como a batida do coração da vida, tudo isso tem um segredo, um ritmo oculto. Quando o ritmo da dança se modifica, o som produzido também muda. Cada átomo canta incessantemente sua canção, e a cada momento, cria formas densas e sutis. Isso faz parte de uma dança que, na antiga Índia, os mestres espirituais já haviam intuído. Eles a chamavam: a dança de Shiva, a divindade que renova o universo. A dança cósmica do universo é espelho e expressão de uma dança divina, uma dança amorosa que mantém o ritmo do cosmos.

Cada um de nós só se torna pessoa e se realiza através do Amor, isso é, na relação com Deus em nós, na comunhão com os outros e no cuidado com a Terra e a natureza. Há uma relação trinitária inscrita em nosso próprio ser humano e a sabedoria da vida se alcança quando conseguimos que essas três dimensões diversas se harmonizem em uma dança íntima que, mesmo na idade adulta, pode parecer espiritualmente uma cantiga de ninar. Esse mesmo mistério que é arte como o de bailar em um contexto nem sempre favorável à dança do amor, se revela em nós, como mistério de Deus. Mistério que está em nós, mas nos ultrapassa. É maior do que nós. Nele, Deus em nós se revela como Pai de amor maternal, com o qual nós, cristãos só podemos nos relacionar intimamente através de Jesus, seu Filho, ressuscitado em nossa comunhão humana e no Espírito que se manifesta como mãe e alma do universo. É mistério de amor presente no mais íntimo de cada um de nós. Essa Terna Trindade não existe fora de nós, em um céu distante, mas presente e atuante em nossa comunhão de amor, no cuidado com a Terra, a água e todos os seres vivos.

A Ternura é uma palavra que corresponde a uma expressão muito querida, tanto da tradição bíblica, como do Zen-budismo e do Dalai Lama: a palavra compaixão. No hebraico, o termo Rahamin significa literalmente “amor uterino”. Quer dizer que quando somos capazes de um amor uterino somos capazes de ternura. O que seria esse amor uterino? No seu discurso de Benarés, Buda diz que devemos olhar o outro, o nosso semelhante, como uma mãe olha o filho esperado que está ainda em seu útero. Esse amor uterino é o amor divino em nós. É o amor de pura ternura. Cada pessoa tem momentos e situações que provocam ternura. Entretanto, são momentos circunstanciais. Não bastam. É necessário assumirmos a Ternura como princípio básico e permanente do nosso jeito de viver. Para isso, é preciso um método de vida que a gente cultive e exerça tanto quando as situações favorecem, principalmente quando a realidade que nos envolve não é tão favorável assim. Os Evangelhos testemunham: Jesus viveu a partir deste princípio. Era como um jeito de viver. Então mesmo quando ele se irritava, ou devia denunciar o mal, era movido por este princípio da Misericórdia ou da Ternura1. Por isso, precisamos de uma verdadeira terapia interior para conseguir colocarmos nossa vida na sintonia com o Princípio Ternura, novo estado de consciência, mais respeitoso para com a Terra e cuidadoso com a vida. Nesse caminho, devemos valorizar mais a razão cordial e a inteligência emocional e criar espaço para a espiritualidade, fonte de contemplação, gratuidade e veneração. Dizia Kallil Gibran: “Quando você conseguir viver a Ternura como princípio, não diga ‘tenho Deus no coração’. Diga: “estou no coração de Deus”.

1 – Jon Sobrino explica isso muito bem no seu livro: Princípio Misericórdia, Ed. Vozes. Eu prefiro dizer “Princípio Ternura”

Obs: O autor é monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares.
É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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