Na madrugada de domingo do dia 3 de dezembro de 1967, o cirurgião sul-africano Christiaan Barnard (1922-2001), então com 44 anos de idade, realizava o primeiro transplante de coração humano, no hospital Grote-Schuur, na Cidade do Cabo e o paciente sobreviveu por 18 dias. “Nós, na África do Sul, tivemos que decidir o que fazer. Todos os dias víamos pacientes que não podiam ser ajudados. A única possibilidade de ajudá-los era o transplante de coração”, disse o cardiologista.

Louis Waskansky, de 53 anos, foi o primeiro homem a receber o coração de um estranho. O órgão transplantado por Barnard e sua equipe, numa operação de 5 horas, era de uma jovem de 25 anos, que tinha morrido num acidente. Mas Waskansky faleceu 18 dias depois da cirurgia histórica, em consequência de uma infecção pulmonar. A luta dos médicos para combater a rejeição do organismo reduziu muito o sistema imunológico do paciente.

Um mês depois da operação espetacular, Barnard fez o segundo transplante de coração e, desta vez, com grande sucesso: o dentista Philip Blaiberg viveu um ano e sete meses com o coração novo.

A notícia do transplante se propagou rastilho de pólvora pelo mundo afora. O acontecimento era até então inconcebível, revolucionário, embora há muito tempo se transplantassem rins, córneas e os ossos do sistema auditivo. Mas havia uma grande diferença: os obstáculos morais levantados mundo afora contra o transplante de coração. Ainda dominava naquele tempo a crença de que não se tratava de um órgão como os demais, mas o lugar da alma, o núcleo humano, o centro da personalidade.

“A partir de um determinado momento, a gente é apenas um pesquisador e tem que se ater ao fato de que o coração tem apenas a função de bombear o sangue. Um transplante de coração não é mais do que um transplante de rins ou de fígado”, justificou Barnard.

O grande problema na época, era a rejeição do novo órgão transplantado pelo organismo do receptor. A rejeição foi durante muito tempo o árbitro para o sucesso ou o fracasso de um transplante de coração nesta fase inicial dos transplantes cardíacos. Este difícil obstáculo começa a ser superado com medicação imunodepressora, a descoberta da Ciclosporina, nova medicação para combater a rejeição, em meados dos anos 80.

Várias equipes de cirurgiões seguiram o ato pioneiro do sul-africano Barnard. Nos EUA, por exemplo, o centro de transplantes Palo Alto e na Stanford University (California), tentava há muito tempo transplantar corações. O professor Norman Shamway (1923-2006) e sua equipe, são os verdadeiros pais do transplante de coração, pois eles fizeram a operação em animais durante anos. Christiaan Barnard fez parte dessa equipe, e aprendeu com Dr. Norman Shamway a técnica de como se fazer o transplante.

Apenas cinco semanas após o feito de Barnard na África do Sul, o cardiologista americano Shumway fez seu primeiro transplante de coração. O 4º. do mundo, em 8 de janeiro de 1968. Na ocasião, um colega perguntou a ele como se sentia. Shumway respondeu: ” Você se lembra do segundo homem que alcançou o Polo Norte?”

Nos próximos meses em torno de uma centena de transplantes foram realizados em todo o mundo, a maioria desses com resultados desastrosos, devido a problemática da rejeição. Publicamente desenvolveu-se um sentimento de repulsa em relação ao transplante cardíaco. Durante a próxima década temos uma moratória em transplantes de coração.

O Dr. Shumway não parou de estudar e pesquisar a respeito durante este tempo. No ano de 1991 seu departamento tinha realizado 687 transplantes em 615 pacientes. Mais de 80% destes viveram 5 anos ou mais e o que sobreviveu por mais tempo foi 20 anos. Durante sua vida profissional Shamway realizou mais de 800 transplantes.

A enfermeira Dene Freidmann, que era parte da equipe do Dr. Barnard e trabalhou naquele dia na cirurgia de transplante lembra da reação transplante e da reação assustada de muita gente na época. “Não havíamos imaginado nem um só segundo que esse sucesso fosse gerar tanta indignação pública”, contou. “O professor Barnard recebeu cartas muito críticas, cartas horríveis, que o chamavam de ‘carniceiro'”, recordou Friedmann. “Abutre, sádico, anormal” eram alguns dos insultos que chegavam de todos os cantos do mundo.

“Por favor, pare com essas operações. Um homem jamais deveria substituir um coração humano, já que o homem não pode substituir Deus”, afirmava uma carta em italiano. Na ocasião, a revista francesa Paris Match também abraçou a polêmica com a manchete “A batalha do coração. Os cirurgiões têm esse direito?”.

Capas de revistas do mundo todo noticiaram o primeiro transplante de coração há 50 anos. No imaginário coletivo, o coração não é um órgão como os demais e sua carga simbólica é muito maior. “Naquela época, havia muitas questões éticas a resolver”, explicou a enfermeira.

A comunidade científica mundial na época em geral celebrou a proeza técnica do Dr, Barnard.”Um êxito mais importante que a exploração espacial” e “Ouvimos este batimento de coração no mundo inteiro” foram alguns dos comentários.

Obs: Texto retirado http://www.a12.com/redacaoa12/pe-leo-pessini

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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