A necessidade imperiosa de um culpado só nasceu na minha mente quando fui juiz de direito de Nossa Senhora da Glória, porta do sertão sergipano, em função de setenta a oitenta por cento dos crimes ocorridos não deixarem a menor pista para início da investigação. Até por melancia roubada se matava. O ferido em leilão, por bala perdida, não tinha o menor interesse em ser ouvido em a ação penal.

No terreno do cinema, o crime ocorrido no castelo sempre teve um culpado, seja, preferencialmente, o mordomo, ou o jardineiro. O importante é a presença de um culpado, como na história, aliás, real, posso afiançar, da jovem senhora que saía do interior, no final da tarde, para estudar à noite, em alguma faculdade, em Aracaju. No meio dos estudos, a arregimentação de amantes tomava lugar maior. O marido, quando soube, fulo de raiva, as pontas coçando-lhe a testa, arranjou logo um culpado: a faculdade. Trancou a matrícula da mulher,ora, bicho danado de macho. O outro caso foi da estudante ginasial, namoro bem avançado, os pais trabalhando fora, ela a receber a visita do namorado, até que estourou a notícia da gravidez. A empregada da casa foi considerada culpada, perdendo o emprego. Em geral, a lição é esta. Há um fato, delituoso ou lindeiro, a reclamar a presença de um culpado. Tudo isso é conversa mole, como introdutório ao veto eterno que a CBF faz a cor branca para o uniforme da Seleção. O branco foi jogado de escanteio, ou mais do que isso, banido em termos de uniforme, em face da derrota para o Uruguai, no jogo que terminou sendo a final da Copa do Mundo de 1950. A Seleção jogou com uniforme branco, porque, aliás, não tinha outro. O Brasil perdeu por 2×1, dando início a novela dos culpados.

Primeiro, foram os jogadores negros. Todos, coletivamente todos. Depois, alguns foram absolvidos, menos Barbosa e Bigode. Não bastassem as condenações eternas impostas aos dois, o tempo criou outro culpado, e, desta vez, a culpa recaiu em um objeto, o que facilitou mais a acusação, porque não haveria nunca o exercício da defesa. O culpado, ah, o culpado da derrota de 1950 foi a camisa branca. Por isso, o Brasil afastou-se, já na Copa seguinte, que também foi perdida, da camisa branca, e, nunca mais, nunca mais, a cor branca, tão bonita, cor das nuvens do céu em dia estiado, haveria de retornar a camisa da Seleção. A acusação foi tão forte que a gente, como eu, que não viu o jogo do Brasil com o Uruguai, carrega a impressão que os onze jogadores brasileiros não entraram em campo. Flávio Costa colocou onze camisas, sendo dez brancas e uma, a do goleiro, cinzenta (esta é a cor que as fotos, em preto e branco, deixam transparecer). E como as camisas brancas, sem nenhum corpo para comandá-las, não conseguiram jogar o suficiente para, pelo menos, alcançarem o empate que o regulamento previa, o Brasil perdeu a Copa, não foi campeão, sacramentando o tempo um culpado: a camisa branca. Tudo bem. A cor amarela é bonita. A azul, da final da Copa de 1958, também. A branca, falemos baixo, não há de fazer falta. Contudo, nas estatísticas, a branca leva uma vantagem: com ela, o Brasil perdeu apenas quatro copas: 1930, 1934, 1938 e 1950. E, com a amarela, bem, a fila já está enorme: 1954, 1966, 1974, 1978, 1982, 1986, 1990, 1998 e 2006. Exatamente, em nível de placar: nove copas com a camisa amarela e quatro com a branca. Cinco pontos de vantagem para a amarela. Mas, mesmo assim, a cor amaldiçoada é a branca e está acabado, condenação que saindo dos jogadores de cor preta (depois de Pelé, não haveria mais sentido), e, esquecendo Barbosa e Bigode, encontrou a vítima fatal na cor da camisa, que, afinal, não haverá nunca de se defender.

Um argumento a favor da camisa amarela: o Brasil, trajado nela, só perdeu Copa lá fora. Nenhuma em casa, ressalte-se. Mas, se o problema é esse, a Copa de 2014 vem aí. Será no Brasil. A Seleção, empurrada pela imprensa e pela torcida, se verá, forçosamente, na final. Deus tomara!. Aí então teremos oportunidade de testar a camisa amarela,em final, no Brasil. Que a Seleção não perca, senão virá à tona um conto de Dalton Trevisan, no qual toda vez que o marido descobria uma traição da mulher, mudava o casal de bairro. Como Curitiba tem muitos bairros, o autor abriu um espaço enorme para novas traições. No caso da Seleção, como as cores são diversas, o amarelo que se cuide.

Obs: Publicado no Diario de Pernambuco
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Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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