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Vamos nos preparar para a sua chegada. Comece a levantar aos poucos as paredes de dentro. Normalmente são caiadas, mas, se tiver pressa, ficarão no tijolo cru. Então, devagar. Forme o caráter, primeiro. Sempre o caráter. O resto vem depois. O resto acaba varrido para debaixo do tapete, e, sem sorte, é descoberto antes do tempo. E você trará sorte.

Escolha a família que irá nascer. Essa é a parte mais difícil. Porque não se tem muita escolha. Ou os pais se separam, as mães desapaixonam, o dia-a-dia corrói os ossos. E ossos é o que você precisa para se levantar.

De pé, começa a caminhada. A estrada é longa para uns, curta para outros. Vamos pensar que a sua será longa, uns noventa anos. Poderia ser mais, porém é a partir desse ponto que a máquina dá problemas e acontecem as primeiras falências.

No caminho, deixe todos entrarem. Não limite amigos, amores, oportunidades. Irá chorar por alguns, sorrir para uns poucos, amar um bocado. É isso que importa. Sinta cada uma das estações como se fosse novembro, mas coloque cada dia em seu lugar.

Organize o tempo, e verá que dá tempo para o sol nascer, o sol se pôr, um aroma de jasmim, o voo da borboleta, um primeiro beijo, a primeira dança, um filho nascer, como você nasce agora, se encolhendo nos lençóis ainda sujos de sangue que o médico, delicadamente, me entrega.”

(“É isso que importa”*, Patricia Gonçalves Tenório, 14/04/2018, 12h18)

* A partir da leitura de Noemi Jaffe.

Imagem enviada pela autora (** Fotografia de George Barbosa.)

Obs: Patricia Gonçalves Tenório (Recife/PE, 1969) escreve prosa e poesia desde 2004 e tem onze livros publicados, com premiações no Brasil e no exterior, entre elas, Melhor Romance Estrangeiro (2008) por As joaninhas não mentem, e Primo Premio Assoluto (2017) por A menina do olho verde, ambos pela Accademia Internazionale Il Convivio (Itália); Prêmio Vânia Souto Carvalho (2012) da Academia Pernambucana de Letras (PE) por Como se Ícaro falasse, e Prêmio Marly Mota (2013) da União Brasileira dos Escritores (RJ) pelo conjunto da obra. Mestre em Teoria da Literatura pela UFPE, atualmente é doutoranda em Escrita Criativa na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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