A coisa mais fácil do mundo era saber o resultado do júri antes de sua realização. Pelo menos, até o momento exato em que o fórum [da comarca de Itabaiana} funcionava na Praça da Igreja. Era só o conselho de sentença ser escolhido para a plateia presente anunciar o veredicto, prol ou contrário ao acusado, dentre os resultados possíveis: 7×0, 6×1, 5×2 e 4×3.

Qual o sistema utilizado para assim se chegar a conclusão final antes mesmo dos debates terem início? Difícil responder com precisão. Uma certa época, o parâmetro era a divisão partidária, na busca de saber se a vítima e o acusado eram udenistas ou pessedistas, para, daí, verificar em cada jurado a mesma condição, para, então, se chegar ao prognóstico final, que, afinal, nunca falhou. Em outras circunstâncias, pesava a simpatia ou antipatia da vítima e do seu matador.

De nada adiantava o falatório do promotor, nem da defesa. Era tudo uma mera formalidade. Todo mundo sabia como ia votar. Os familiares do acusado saiam de porta em porta pedindo voto para absolver o parente. Eu mesmo, certa vez, fui procurado. Quando a pessoa expôs o caso e pediu o voto, informei que o jurado era meu irmão e não eu. O parente nem pediu licença. Saiu sem apertar a minha mão.

Papai foi jurado muitas vezes. A gente só sabia quando ele se arrumava num terno azul e se mandava para o fórum. No júri de um dos assassinos de Euclides, teve seu nome sorteado. Foi recusado pela acusação. Papai ficou lá, no fórum, parado, até que tomou a iniciativa de perguntar ao promotor se podia ir embora. Podia. O promotor justificou a recusa – e não havia necessidade alguma –: foi informado que papai teria vendido o tecido para a confecção das faixas da passeata do dia 08 de agosto [de1963]. O fato foi desmentido: não tivera a sorte de vender tanto no meio da semana. Mas se declarou analfabeto, alertando que estar ali, para ser jurado, exigia estudo.

No júri seguinte, um jurado se enganchou com o voto. Perguntou bem alto como votava para “sortar” o preso. O promotor, ainda o mesmo, lembrou-se de papai. Teria dito: seu Jubal tinha razão: analfabeto não podia ser jurado.

Mas, essa inclusão da participação de papai no júri é uma forma de esclarecer que, no fundo, a aludida recusa se prendia a sua condição de pessedista, que não foi apontada expressamente. A venda do tecido para as faixas – que não se verificou em sua loja – foi apenas o pano para esconder o fato de não ter sido eleitor da vítima. Daí não dever participar do júri, pela tendência natural de votar para absolver o acusado, dentro da rivalidade política que tanto dividiu Itabaiana em tempos de antanho.

Depois que o fórum passou a funcionar na Av. Dr. Luiz de Magalhães, não sendo mais central como era o do Praça da Igreja, não sei se os prognósticos atinentes ao final do júri ainda são feitos. De qualquer forma, de tudo me lembrei ante o 4×3 da penúltima sexta-feira passada, resultado, aliás, que os blogs sociais já vinham anunciando. No espremer dos limões, a primazia de, mais uma vez, Itabaiana sair na frente. (17 de junho de 2017)

Obs: Publicado no Correio de Sergipe
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Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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