Páscoa de 1985

No dia da Festa celebrei a Missa da Aurora no Lago dos Rodrigues. Na hora do evangelho saí com todo mundo para o pátio da igreja, onde a vista vai longe sobre o vale. Com os primeiros raios do novo dia cantei: LÁ VEM A BARRA DO DIA, LÁ VEM O FILHO DE MARIA…

Às 8 hs, a Comunidade do Lago do Junco esperava pela Missa Solene; e mesmo na celebração das 10 hs, na Barraquinha, eu ainda tinha vigor para o Aleluia. Mas depois senti vontade de encontrar os confrades e fui almoçar em Lago da Pedra. Havia constrangimento no ar, e eu perguntei: “O que foi que aconteceu?” Frei Estêvão respondeu: “Sua cunhada ligou da Alemanha…que sua mãe morreu ontem a noite…na hora do Glória ao som dos sinos.” (Acontece que minha casa paterna fica perto da Matriz. O detalhe dos sinos era obviamente o consolo para amenizar o susto) “Ela mandou dizer ainda que o enterro será na quarta feira”. O almoço saiu bastante calado, mas lágrimas não saíam, pois eu tinha muita reserva do Aleluia.

Naquele tempo ninguém de nós pensava em viagem de enterro. Por isto, no outro dia comecei a Desobriga que estava no calendário. Segunda-feira à noite: Sermão no Riachão. O luto vinha saindo aos poucos e dava um tom de gravidade à celebração. Na parte da tarde, o portador vinha com cavalo e jumento de carga para me levar até a Cajazeira. Alí, quando pude retirar-me para dormir depois do Amem, meu último pensamento foi este: Amanhã é o enterro! – No sonho foi me mostrado: Eu chegava na frente da minha casa paterna e vi o Toyota de Zé Machado. Dalí desciam os noviços com o mestre frei Klaus e começavam rezas de velório. Eu não me demorava com eles, mas arrodeava a casa até chegar no pomar. Foi alí que minha atenção caiu sobre um arbusto em plena flor. Enquanto eu me encantava com ele, chegava um jardineiro com serrote, obviamente com intenção de acabar com aquela beleza. Com meu protesto, ele falou: “Está bem, não vou cortá-lo, mas preciso replantá-lo em outro lugar”. Com estas palavras acordei do sonho, completamente consolado. Gravei bem as cores do arbusto: verde com branco e cor de rosa.

Na quarta-feira, ainda deitado na rede, fui acordado por uma discussão. No pátio da capela havia dois homens que não se entendiam. Um dizia: Aqui fica bem. Vamos plantar! O outro dizia: Não vai pegar! – Entendi que eles queriam homenagear o dia da missa com o plantio de uma árvore comemorativa. Abri a porta e vi uma planta com as mesmas cores que o sonho tinha me mostrado. Com certeza de sonhador acabei com a discussão: Pode plantar, que vai pegar! De repente o céu estava diante dos meus olhos, a visão aterrissando no pátio da capela de palha. O Aleluia da missa foi vibrante.

Na força desta certeza fui adiante ao próximo lugar que era Pau Santo, onde enfrentei uma situação difícil. O povoado era ameaçado de extinção, e os moradores estavam sem plano, esperando a fatalidade. Eu só tinha uma arma: a Boa nova da Páscoa. Da Ressurreição proclamada surgiu a resistência. A árvore da fé foi plantada, e a resistência pegou. Uma longa luta tomou seu começo e terminou com vitória na véspera do Cristo Rei.

Teresina, dia 25 de março de 2018

Obs: O autor é  Frade Franciscano, nasceu na Alemanha em 1940.
Chegou ao Brasil como missionário em 1964. Depois de completar os estudos em Petrópolis atuou no Piaui e no Maranhão. Exerceu trabalhos pastorais nos anos 80 em meio a conflitos de terra. Desde 1995 vive em Teresina no RETIRO SÃO FRANCISCO onde orienta pessoas na busca da vida espiritual.

Imagens enviadas pelo autor.

 

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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