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O ano era 1999. Tempos difíceis para a arquidiocese de Olinda e Recife que, depois de 21 anos tendo como arcebispo e pastor Dom Helder Camara, estava, há 15, tendo um arcebispo totalmente oposto, que não aprendeu a ser pastor e muito menos a ouvir as suas ovelhas.

Com a morte de Dom Helder no dia 27 de agosto, foi criada toda uma polêmica sobre as celebrações das missas de sétimo e trigésimo dia.

Sem consultar ninguém Dom José convidou Dom Eugênio Sales para celebrar a missa de sétimo dia, em uma prova de que não tinha a menor noção do que estava fazendo, uma vez que Dom Eugênio, por ser de uma linha totalmente oposta a Dom Helder, não era, nem de longe, uma opção sensata.

Temendo que para o trigésimo dia também fosse convidado alguém sem a menor identificação com Dom Helder, um grupo se reuniu e convidou Dom Paulo Evaristo Arns para vir celebrar o trigésimo dia da partida do Dom.

Dom José Cardoso engoliu a escolha, não muito satisfeito. A ideia era pegar dom Paulo no aeroporto, levá-lo para a Sé de Olinda para a celebração e depois acompanha-lo à casa de Lucinha Moreira, onde uma gostosa sopa aguardava a todos.

Acontece que dom José resolveu que deveria levar Dom Paulo para jantar com ele. E, cientes disse, um grupo formado por alguns membros do Jornal Igreja Nova armaram uma estratégia para que Dom José não se apossasse de Dom Paulo. Logo que acabou a celebração um dos membros do Igreja Nova foi pegar o carro para trazer para a porta da Sé, enquanto outros quatro iam até a sacristia para escoltar Dom Paulo até a saída.

Estava quase dando tudo certo quando, a poucos metros do carro, já de portas abertas, aguardando Dom Paulo, dom José surge ao lado dele e segurando o seu braço insiste para ele o acompanhe. Dom Paulo explica que já havia assumido um compromisso anterior com um outro grupo e que não poderia cancelar. E Dom José, nervoso, olho piscando e boca trêmula não soltava o braço de Dom Paulo, insistindo que ele deveria acompanhá-lo.

Vendo a iminência de Dom Paulo ser desviado do encontro combinado, por um Dom José irredutível, com a mão grudada no braço do cardeal, o pessoal resolveu soltar Dom Paulo e levá-lo para o carro, mesmo sob o protesto de Dom José. Alguém chegou a dizer ao arcebispo de Olinda e Recife que depois levariam Dom Paulo Para se encontrar com ele e, arrancando, com delicada firmeza, a mão de Dom José do braço de Dom Paulo, o escoltaram, na maior pressa até o carro e saíram dali a toda.

Depois do susto e da agonia, ficamos pensando no que teria acontecido se Dom José não tivesse soltado o braço de Dom Paulo de jeito nenhum. E seguimos em frente para a deliciosa sopa que nos aguardava e para uma noite privilegiada, conversando com Dom Paulo.

Sim, eu estava no meio dessa empreitada e sim, eu forcei Dom José a soltar Dom Paulo, tirando a mão dele de seu braço. E aí talvez você pense que éramos loucos ao fazer esse pseudo–sequestro, que, na verdade, não foi propriamente um sequestro já que Dom Paulo já havia combinado conosco a programação após a celebração e estava indo de bom grado. Na verdade, pensando bem, foi mesmo um resgate.

Não, não éramos loucos. Éramos um grupo de pessoas que lutava para que a arquidiocese de Olinda e Recife voltasse a ter um pastor.

E talvez você se pergunte: será que ela não se arrependeu do que fez? Jamais me arrependi. E nem acho que ninguém que participou do “sequestro” tenha se arrependido. Foi a primeira e única vez que vi Dom Paulo pessoalmente e acho que para quase todos ali presente foi assim também.

Então cada momento de tensão e sufoco foi recompensado por passar uma noite bebendo na fonte as sabedoria de um profeta.

Em tempos de hoje, onde a intolerância e o ódio estão dominando uma parcela da população, e, com certeza, essa parcela apoaria Dom José Cardoso, talvez não tivéssemos conseguido o nosso intento pacificamente. Mas, mesmo em tempos de tanta intolerância e violência em tidas as suas formas, se o fato fosse hoje, eu ainda faria tudo de novo.

Lutar contra o poder pelo poder, pelo gosto de dominar e mandar, sempre foi uma característica minha, acho que praticamente desde que nasci.

É por essa e outras experiências inusitadas pelos quais já passei que ainda continuo acreditando que a luta pelo que a gente acredita sempre vai valer a pena.

Perde-se uma batalha aqui e outra ali e ganha-se outras mais adiante. Afinal como diz Raul Seichas em sua música “Tente Outra Vez” : Tente! E não diga Que a vitória está perdida. Se é de batalhas que se vive a vida. Tente outra vez!

Obs: A autora é jornalista, blogueira e Assessora de Comunicação do IDHeC – Instituto Dom Helder Camara.
Imagem enviada pela autora.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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