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Voltamos a homenagear, nesta página, Gabriel Maire e Dorothy Stang, depois de tantas vezes ter escrito sobre eles, depois de tanto ter falado sobre essas personalidades em comemorações e celebrações. Insistimos nessa lembrança porque a memória é talvez o maior dom humano, eis que nos impede de olvidar tudo aquilo que não pode ser esquecido.
Se vivo fosse, o Padre Gabriel Maire teria completado, no dia primeiro de agosto último, setenta e cinco anos.Ele morreu na véspera do Natal, em 1989, atingido por uma bala criminosa. Tinha então 53 anos.
No mês de dezembro será celebrado o vigésimo segundo aniversário de sua morte.
Será bem apropriado que comecemos a preparar, no íntimo de nossa alma, a celebração a ocorrer dentro de alguns dias.
Dia de morte é dia de choro e de tristeza quando se trata do falecimento das pessoas comuns. Mas quando se trata de santos ou de herois, dia da morte é dia de glória.
Assim acontece, por exemplo, com Tiradentes, o mártir da Independência do Brasil, diante de quem nos postamos, com reverência, em cada vinte e um de abril, data do seu enforcamento.
Os santos do calendário cristão são relembrados no dia de sua morte, não no dia do seu nascimento, salvo quando não se sabe o dia da passagem. Nesta hipótese, é escolhida aleatoriamente uma data.
Os que mataram o Padre Gabriel Maire deixaram no seu pulso um relógio francês de excelente qualidade. Responda o senso comum, não é preciso que compareça nesta hipótese a sabedoria do criminalista, a argúcia do policial: quem mata para roubar (latrocínio) deixa no pulso da vítima um relógio valioso, tão fácil de ser retirado do braço?
Pondere-se outra circunstância. Pouco antes de sua morte o Padre Gabriel Maire prestou depoimento perante a Comissão “Justiça e Paz” da Arquidiocese de Vitória relatando que estava marcado para morrer. A ação pastoral do Padre Gabriel estava contrariando muitos interesses.
Recentemente o Tribunal de Justiça do Espírito Santo determinou a reabertura do “caso Gabriel Maire”, reconhecendo que tinha havido erro na apuração original, que concluiu pela configuração de um latrocínio. O desembargador relator, no momento em que proferiu seu voto, pediu em francês, perdão à família do Padre Gabriel, que reside na França, pelos descaminhos da Justiça capixaba ao se defrontar com esta morte.
Aquele foi um momento de esperança porque tudo indicava que, finalmente, a Justiça iria fundo no processo.
Qual não foi a surpresa e a decepção de milhares de pessoas quando, novamente, a Justiça decide que, no caso do Padre Gabriel, houve latrocínio e não homicídio.
O processo aproxima-se da prescrição, ou dizendo numa linguagem leiga, o processo está perto de acabar sem que os mandantes do crime sejam julgados perante o Tribunal de Júri.
A Família do Padre Gabriel e os que batalham para que se faça Justiça no caso vão apelar para a Corte Interamericana de Direitos Humanos, onde não há prescrição, pois o objeto da iniciativa é justamente denunciar a falha e a omissão da Justiça brasileira.
A decisão dessa Corte internacional terá efeito moral fortissimo, mas não tem efetividade porque a Corte Interamericana não pode intervir na Justiça dos países que integram o sistema interamericano.
Vamos agora lembrar a Irmã Dorothy.
Tive a alegria espiritual de ler o livro Mártir da Amazônia – a vida da Irmã Dorothy Stang.
Que vida Linda! Ela se apaixonou pelo trabalho pastoral com os migrantes, aquela gente miserável que partiu para a Amazônia em busca de trabalho e de pão.
Irmã Dorothy foi seguidora do teólogo Gustavo Gutiérrez que disse:
“Na América Latina o desafio não vem em primeiro lugar de não-crentes, e sim de não-pessoas, ou seja, aqueles a quem a ordem social dominante não reconhece como pessoas.”
Irmã Dorothy foi adepta da Teologia da Criação, ou seja, da ideia de que se rende culto a Deus zelando por este mundo que Ele criou, pelo meio ambiente, pelos rios, pelas florestas.
Por este sentimento de que a criação é obra divina, opôs-se vigorosamente aos interesses nacionais e internacionais que pretendiam e ainda pretendem devastar a Amazônia.
Não obstante cidadã norte-americana, Dorothy era antes de tudo cidadã do Reino de Deus.
O exemplar do livro Mártir da Amazônia está marcado com muitas observações manuscritas, algumas delas fazendo referência ao Padre Gabriel.
Irmã Dorothy e Padre Gabriel são dois mártires da causa da Justiça, com quatro pontos de identidade entre eles:
a) ambos assumiram a luta pela Justiça inspirados no Evangelho;
b) ambos deixaram o torrão natal e vieram para o Brasil;
c) ambos foram assassinados;
d) nos dois casos, os processos judiciais não fizeram desabrochar a verdade integral dos fatos.
Obs: O autor é magistrado aposentado (ES), escritor, professor, palestrante.
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