A pergunta era simples: qual o mês em que a mulher menos fala? Resposta: fevereiro, porque tem menos dias. Da pergunta me lembrei, outro dia desse, quando, na fila do caixa de um supermercado, me deparei, a frente, com uma jovem senhora, com dois carrinhos superlotados de mercadoria, que, lentamente, ia retirando produto por produto a fim de colocar no local devido para o registro do caixa, enquanto falava ao celular. Uma mão era usada para pegar as compras. A outra, justamente a esquerda, para segurar o telefone. Fazia as coisas ao mesmo tempo, com muito desembaraço.  

As ligações eram rápidas e ininterruptas. Saindo de uma, fazendo outra. Contei dez e cansei. Vá telefonar assim na casa da peste, pensei baixinho, porque não podia nem dizer aos meus botões, já que minha camisa não os tinha. Por fim, todos os produtos lançados, vi o caixa parar, a freguesa também, até que, para dar sinal de que estava na fila, perguntei qual era o problema. A palradora não sabia o número da senha do cartão magnético e estava discando para alguém passá-lo. Ao ser informada, foi empurrando, na máquina, número por número, até, enfim, se retirar com seus dois carrinhos entupidos de compras, as duas mãos ocupadas, e o celular, na bolsa, enfim, quieto e calado.

Mas a mania, digo, o fenômeno, não é isolado, ocorrido só com uma pessoa, aqui e ali, de quando em quando. É geral. Verdadeira epidemia. A febre do celular que, como um vírus, contamina crianças, jovens, adultos e mais para a frente. É um negócio impressionante como se difundiu, como se usa, como se consulta, como se fala, como se dedilha mensagens, como, enfim, passou a ser um objeto indispensável nas mãos de todos. Quem ainda não tem, vai adquirindo, aprendendo a se utilizar de tudo que o aparelho contém, e, ademais, gostando, por ter em mãos bens de vida que, até então, lhe eram desconhecidos, como um fato novo, uma anedota, um vídeo, uma charge, uma notícia, que, imediatamente, circula em segundos pelo país inteiro, cada um mandando para seus contatos e daí em diante.  Vai chegar o dia em que, num velório, o defunto não ficará só como foco do olhar e da atenção de todos. Enquanto o caixão não desce a sepultura, vai também, como os demais, dedilhar alguma coisa no celular, para matar a monotonia do tempo enquanto não é sepultado.

Já ouvi de uma senhora, esposa de um fumante, desses de ter o bigode amarelado pela fumaça do cigarro,  revelar o pedido feito pelo marido para interromper o ato sexual, a fim de … fumar. Um conterrâneo meu, grande filósofo, dizia que a mulher, em pleno ato, rezava escancaradamente o terço. Não faço idéia de como se desenrolava a cena. Não sei se chegará a tanto com o celular, mas, acredito que as varas de família, mais tarde, podem ser surpreendidas com o motivo do divórcio: o uso do celular durante o ato sexual. E aí, a minha dúvida, sobretudo como aplicador do direito, embora em área em que não piso, dúvida simples, que agora se torna pública: como se comportará a jurisprudência a respeito? Teremos, com o tempo e a reiteração dos julgados, contribuído para uma súmula, mais ou menos, assim: O cônjuge que, durante o ato sexual, se utilizar do celular, será considerado culpado da dissolução conjugal? Seria bom que os juízes de varas de família se debruçassem sobre a matéria, para não serem surpreendidos.  Acho que iniciei o debate. (14 de abril de 2017)

Obs: Publicado no Correio de Sergipe
[email protected]
Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras.   
 
  

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


busca
autores

Autores

biblioteca

Biblioteca

Entrelaços do Coração é uma revista online e sem fins lucrativos compartilhada por diversos autores. Neste espaço, você encontra várias vertentes da literatura: atualidades, crônicas, reportagens, contos, poesias, fotografias, entre outros. Não há linha específica a ser seguida, pois acreditamos que a unidade do SER é buscada na multiplicidade de ideias, sonhos, projetos. Cada autor assume inteira responsabilidade sobre o conteúdo, não representando necessariamente a linha editorial dos demais.
Poemas Silenciosos

Flickr do (Entre)laços
[slickr-flickr type=slideshow]