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As relações entre as esferas pública e privada sempre foram objeto de interesses políticos e econômicos, desde a colônia no século XVI. Na República não foram poucas as passagens que revelaram intensa promiscuidade entre agentes públicos e grupos privados, ávidos por decisões, fundos, créditos, favores e informações privilegiadas junto ao estado a fim de alavancarem, lícita ou ilicitamente, seus negócios. Por um erro de interpretação dos fatos, por muito tempo, tratou-se a corrupção como um desvio moral dos indivíduos. O avanço da democracia, dos meios de investigação da gestão pública e de seus negócios com a esfera privada revelou que a corrupção não é fruto de desvios “morais” dos cidadãos, mas, isto sim, um sistema, como o é a dívida pública, desenvolvido para promover o aumento da riqueza e do poder entre seus agentes. É um processo de privatização indevida do patrimônio público construído através da arrecadação de impostos e contribuições recolhidos da sociedade. Claro, como a corrupção, ao ser revelada, agride o cidadão e o bem comum, muitas vezes o combate à corrupção foi feito de forma exacerbada, distorcida, com viés moralista e não por seu caráter de apropriação patrimonial privada ilícita da coisa pública. A redemocratização brasileira pós 1985 e os novos mecanismos de fiscalização e controle amadurecidos desde então, sobretudo a consolidação das novas funções do Ministério Público, inscritas na Constituição Federal de 1988, fizeram com que a corrupção não mais se escondesse nos subterrâneos das relações público-privadas. Isso não torna isentos de manipulação, distorções ou desvios funcionais os integrantes dessas instituições e elas mesmas, mas, de forma alguma os e as desqualifica à priori como agentes do combate ao crime organizado na esfera das relações público-privadas junto às instituições do próprio estado. Por isso não tenho a menor dúvida de que durante todo o processo de seu desenvolvimento a Operação Lava Jato balançou entre posturas com claro desvio de finalidade e abuso de poder ou uso indevido de ações e formas de investigação, mas se forma alguma isso apaga, anula ou desqualifica os fatos investigados pela Operação por parte de Procuradores e Magistrados, por exemplo, na análise das denúncias e nas decisões adotadas frente às investigações da Lava Jato envolvendo o ex-presidente LULA. Contudo, falta a tais setores que se expressam contra tais abusos a resposta ou a manifestação de clareza acerca dos fatos ocorridos na Petrobras, na Caixa Econômica Federal, na Eletrobras, na Nuclebras. pois seu silêncio quanto a isso nos faz pensar que não houve ato de corrupção nessas empresas e que os milhões desviados e depositados em contas fora do país não passam de ficção criada seja por autoridades brasileiras seja por autoridades estrangeiras, sobretudo pelo Ministério Público da Suíça ou de outros países onde foram encontradas contas milionárias de dirigentes de estatais ou de empresas privadas investigadas. Nesse sentido vou até o fim com o direito de ampla defesa para Lula ou quaisquer dos demais denunciados, por mais que as provas os apontem como criminosos, ao mesmo tempo que vou até o fim denunciando a corrupção, o assalto ao estado e ao bem público, com graves consequências econômicas e sociais contra o direito fundamental do povo ter saúde, educação, segurança, habitação, emprego e renda. Por isso acredito que acertam os defensores de LULA quando esgotam todas as ferramentas de sua defesa, mas erram quando se omitem ou se eximem de reconhecer ou cobrar que a corrupção seja, de fato, duramente combatida, doa a quem doer, ainda que isso possa levar à prisão aliados políticos históricos, companheiros de partido ou de militância. A omissão nesses casos só servirá para deixar nas mãos e nas bocas das oligarquias situadas do outro lado do espectro político e seus aliados o surrado discurso do combate moral à corrupção, velha plataforma de oportunistas de todas as legendas, jamais interessados num efetivo processo de desprivatização do estado, pois dele sempre se alimentaram e se alimentam.
Além disso não basta olhar para as eleições de 2018 em busca de figuras isoladas que possam governar o país. Haverá um eleito, uma eleita, mas que o centro das atenções esteja na transformação das estruturas, das engrenagens que certamente permanecerão ou se renovarão como aliadas da corrupção se a sociedade não for capaz de construir força e disposição para enfrentar isso e derrotar tais mecanismos e práticas criminosas. As elites brasileiras sempre foram patrimonialistas, sócias do estado, ao que, segundo evidencias robustas, parte do campo democrático e de setores de esquerda se associaram, e não creio numa conversão em massa da maioria de seus integrantes ao caráter republicano e à vida pública plena de modo transparente, ético e solidário, sem crimes ou manobras pelo meio do caminho.
Façamos a nossa parte, defendamos os princípios do estado democrático de direito, seja para Lula ou qualquer um que se encontre na condição de réu, mas não fechemos os olhos ao alargado e aprofundado estado de corrupção na vida econômica e política brasileira. Ele é secular, existiu na colônia, no Império e em toda a república atual. Tem raízes na vida pública e na vida privada, na obsessão pela moeda como reserva de valor, riqueza líquida ( depositada em milionárias contas dentro e fora do país) ou lavada sob a forma de bens materiais, como joias, carros de luxo, relógios e imóveis de luxo, fazendas, lanchas, jatinhos,
O país precisa destruir essas estruturas e sobre elas, a partir delas, construir outras, públicas de fato, republicanas e democráticas, para que as riquezas socialmente produzidas e arrecadadas sejam aplicadas de forma socialista na construção do bem comum e da superação das desigualdades abissais existentes entre nós.
Obs: O autor é professor e Mestrando em Educação na UFPE
Foi Deputado Federal 2003-2014.
Criador e 1º. Coordenador da Frente Parlamentar de Combate à Corrupção (2004)
Na Câmara Federal foi autor da PEC 162, propondo o Plano Nacional de Desenvolvimento Urbano.