Acreditava que a santidade está ou se alcança quando a pessoa consegue virar uma árvore. Não no sentido literal, é claro. Mas aquela pessoa em que as aves se aproximam e chegam até pousar na sua cabeça no seu ombro ou mesmo na sua mão. Esse é o maior grau de santidade que um homem pode alcançar. Acreditava ele. Um São Francisco do Século XXI. Era o que todos deveríamos procurar ser.
O lance era saber separar o vegetal do reino homônimo do vegetal homem. Lasca de ser que, surpreendentemente, cria raízes sem nem mesmo ter onde enterrá-las. E vegeta em rotinas, horários, compromissos, contas, afazeres que nunca dizem o que ele é. E cada vez o distanciam mais dele mesmo.
Como consegue alimentar essas raízes podres e
vampirescas? Cria lodo e limo em relações que eram para ser faiscantes, fogo de vida, de alumbramento e suspiração. Ao contrário, amarras humanas que o puxam para baixo, pro fundo da terra, afundando-o cada vez mais no fosso do entorpecimento, do tédio e do esquecimento.
Enquanto seus olhos, feitos sementes que teimam em brotar – apesar de toda essa aridez do espaço e do tempo aos quais ele pertence – insistem em apontar pra cima, para o alto, lembrando-o – isso de quando em vez – de que ele já teve, quem sabe, numa outra vida, numa outra existência, asas.
Seus braços arqueados, cansados, galhos já quase secos e sem vida. Que o deduram um espantalho seco. Esperando sempre um vento favorável para se elevar aos céus. Vento esse que nunca vem. E ele fica, feito um boneco de posto, vulnerável ao sabor das correntes do tempo. Quando esses braços queriam, na verdade, forjar o tempo, abrir o fruto tenro da vida em meio à terra desolada que o cerca e o aprisiona.
Suas pernas, já raízes nodosas de sangue e luta vã, prostradas sobre o húmus do que poderia ter sido, arqueiam, tentam irromper, numa vazia tentativa de acumular metros, quilômetros, milhas que o separam da terra prometida. Onde o pulo – quiçá do gato – nessa hora absurda e imensurável? Quem ou o quê as desviaram do rumo? Do prumo? Do pulo certeiro? O descaso do deus acaso? O indiferente e frio destino? A imprevisível casualidade? Quem há de responder indagas do homem que um dia foi feito para ser? Onde a seiva da vida? Quem foi o filho da puta que o encalacrou nos seus delírios vegetais?
Enquanto seu ser cria raízes, que já nascem podres e mortas, resta-lhe essa teimosia humana, varejeira aberração que nunca o larga, de achar que ainda existem frutos no paraíso dos homens.
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