Um dia desse, ao datar algum documento, parei no ano. Parei espremido pela dúvida. Qual era mesmo o ano vivido? Não me fixei de logo. Sabia só que estava na casa dos dois mil. Depois, atracando no ano correto – no caso, 2013 – procurei a razão da incerteza e o bom anjo, que me acompanha, me esclareceu que tudo brotava da rapidez com que o tempo passa e passava, a fazer com que o dia fique mais curto, os meses com menos dias, de maneira que o ano, mal começa, já está terminando. E nesse troar – para me utilizar de uma expressão rotineira em arrazoados jurídicos -, a idade vai passando e a gente ficando mais velho, o cérebro superlotado de conhecimentos e fatos, uns duradouros, outros sem merecer o carimbo de gravado, e ponto final, porque parar o tempo o remédio exato só a morte, e, desta, estamos sempre a correr, afinal, melhor estar apressado que ser defunto.

A vida, assim, perde a monotonia, para ganhar dinamismo, porque estamos sempre a caminhar  para a frente, de celular no ouvido, mesmo quando ao dirigir um veículo, sem receio algum de possível multa, pela proibição normativa. Permanentemente em movimento, com o horário preso a compromissos inadiáveis, perguntando aos amigos como vai, sem nos preocuparmos em ouvir a resposta, como se, no caso, a pergunta representasse uma mera formalidade. Do trânsito nem se fala, porque o homem tem pressa em chegar ao trabalho e mais pressa ainda de retornar a casa, vivendo, diariamente, o drama do engarrafamento, a buzinar para o carro da frente andar alguns metros, a reclamar da falta de guarda de trânsito nas avenidas mais movimentadas para impor uma disciplina, terminando por se estressar, e, aí, o caminho é a morte de células, operação que abre espaço para o envelhecimento precoce, tudo porque a vida se torna dinâmica demais e o homem, bem, o homem passou a dançar no mesmo ritmo.

Esse dinamismo, ou essa rapidez, faz com que o planeta também coloque a marcha mais potente no seu girar em torno do Sol, como se toda a natureza tivesse sido contaminada pelo vírus da pressa, e, neste caminho inventaram a mangueira dinâmica que, apressada, dá manga desde pequena, e, mais do que isso, fica a parir o ano inteiro, porque o homem aperfeiçoou o mecanismo da natureza, embora, no caso específico da manga, não tenha conseguido o sabor da fruta natural, daquela cuja semente não foi aperfeiçoada/trabalhada em laboratório.

Então, paro, medito, analiso o que escrevi. O senso crítico entra na jogada. Não sei se estou alegre ou triste. Tenho dúvidas se tudo é frustração de provinciano que, de manhã cedo, gostaria de ir caminhando comprar o pão e o leite para o café matinal. Ou quiçá esteja irritado porque Inocência e Cirino morrem no final de Inocência, do Visconde de Taunay, que acabo de reler. (29 de junho de 2013)

Obs: Publicado no Correio de Sergipe
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Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras.  
 
   

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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