A água dilui.
Somos quase inteiros de água.
O planeta quase todo é de água.
Porque o sólido nos machuca
e chega a nos matar,
feito aquela raiva, aquela angústia
ou aquela ansiedade, travadas na garganta.

Só com água.
A água dilui tudo.
Até as lágrimas.
Veja que depois que você chora
o que parecia sólido, machucante,
se desfaz ou, no mínimo, fica menor.
Se dilui.

Eu sofro com os rios do Brasil.
Porque eles estão morrendo.
E eu estou morrendo junto.

A água é sagrada, mãe de todas as coisas,
de todos os seres vivos.
Animais, vegetais, minerais…

Quando é que vamos ver,
quando vamos perceber
que tudo é água.

Esse era o deus que nós deveríamos cultuar.
À merda com os ensinamentos, dogmas, conceitos, preconceitos e métodos…
É a sinuosidade da água que devemos imitar e cultuar e aprender.
Porque a água traz toda a sabedoria do universo,
ela contorna os obstáculos,
ela desvia
ou se avoluma e toma conta,
ela se adequa.

Nós, não.
Quando vemos ou pensamos que estamos
diante de uma barreira,
tentamos eliminá-la,
derrubá-la,
minimizá-la,
quebrá-la,
destruí-la.

Mas não,
a barreira está em nós.
A barreira nunca houve.
A barreira somos nós.

E o rio sofre com tantas barreiras,
com tantos represamentos.
Os rios brasileiros estão morrendo.
E eu estou morrendo com eles.

Nós,
que nunca aprendemos,
e sufocamos a parte líquida
que nos domina.
E, presos nos 25% de dados físicos
Não aprendemos a contornar,
A diluir,
A preencher.

As pessoas não são más.
Elas estão petrificadas.
Porque secaram
todo o líquido que nelas há.
Diante do medo,
e do assombro
e da certeza de que são,
no fundo,
apenas água.

Aqui, na beira do Tocantins,
enjaulado no Lago de Palmas,
pela hidrelétrica de Lajeado,
na orla da Praia das Arnos,
onde hoje me solidifico,
onde hoje tento me diluir
querendo me adequar,
querendo contornar
todas essas coisas sólidas,
impossíveis de destruir.

Um ser líquido
sobre uma cadeira líquida,
plastificada pelo capital.
Sorvendo um líquido enlatado,
chamado de cerveja
e fumando uma água
prensada no papel do velho segredo.

Não rio mais.
Eu finjo.
Fingimos.

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Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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