Ivone Gebara é uma das principais referências da Teologia Feminista nas últimas décadas, não só no Brasil, como no mundo inteiro. Ela mesma se define como teóloga feminista da libertação e está consciente de que este posicionamento condiciona sua forma de entender o cristianismo.

Sua atitude crítica foi rejeitada em muitas áreas eclesiais, muitas vezes por pessoas que não questionam os pressupostos que estão na base da reflexão teológica da religiosidade brasileira, que sempre deixou claro seu lado, o dos grupos marginalizados dentro da sociedade e da própria Igreja.

A entrevista é de Luis Miguel Modino, publicada por Religión Digital, 25-06-2017. A tradução é de Henrique Denis Lucas.

Nesta entrevista, Ivone Gebara mostra seu pensamento em relação ao mundo feminino na Igreja Católica, acusando-a de ser mais influenciada por modelos culturais do que pela própria mensagem de Jesus Cristo, dando a entender que as tentativas de mudança do Papa Francisco quanto às mulheres são atitudes que, em sua opinião, não vão levar, por enquanto, a nenhuma grande novidade.

Eis a entrevista.

Por que é tão difícil assumir uma visão da teologia a partir do feminino na Igreja Católica?

Igreja não tem dificuldade de assumir o feminino a partir de seu modelo, ou seja, a partir de sua visão das relações humanas e do lugar que ela determinou para o feminino. Nesta visão, há uma prioridade quase ontológica dos homens em relação às mulheres, uma vez que são a primeira imagem de Deus, a imagem que pode representar a Cristo.

Esta é a teologia vigente e não foi necessariamente criada pela Igreja, mas pela cultura greco-romana que marcou a formação da teologia cristã. Os processos culturais são muito lentos e envolvem uma complexidade de comportamentos e movimentos que nem sempre são submissos às nossas racionalizações.

Acredito que ainda deve levar muito tempo para que se realize uma mudança antropológica igualitária no mundo e na Igreja.

Na sua perspectiva, quais foram as causas da tentativa de submeter a mulher dentro do cristianismo e do catolicismo, e depois ao longo da história?

Acredito que nós copiamos os modelos de outras culturas e tornamos esses modelos a vontade de Deus e de Jesus Cristo. E, infelizmente, grande parte do ensino da teologia nos institutos e faculdades de Teologia, e também nas paróquias, é feito a partir de uma visão hierárquica dos seres humanos, não apenas de gênero, mas também de raça e classe social.

A Igreja não muda de forma independente do mundo. A Igreja enquanto instituição dificilmente assumiria uma postura de justiça e de igualdade de gênero diferente da posição do mundo. Nem vai lutar contra o mundo acreditando que está obedecendo à vontade de Deus. Não se pergunta se de fato há uma vontade divina tão desigual e injusta, se de fato essa visão não envolve manter um modelo de poder já ultrapassado e com características totalitárias muito marcadas.

Sujeitar a mulher não é uma atitude contrária à novidade que Jesus queria estabelecer?

Jesus não era feminista. O feminismo é um movimento contemporâneo. Mas na tradição de Jesus, no Movimento de Jesus, encontramos uma dimensão ética igualitária na linha dos direitos das pessoas que inspira as teologias feministas inspiradoras do nosso tempo. Mas é preciso estar de olhos e ouvidos abertos para perceber isso nos Evangelhos.

A chegada do Papa Francisco trouxe uma nova política eclesiástica em relação às mulheres. Você acha que estas novas atitudes são suficientes ou é preciso ser mais radical? O que acha da proposta de ordenar diaconisas?

Não acho que o Papa Francisco tenha trazido uma nova política eclesiástica em relação às mulheres. Ele trouxe muitas coisas importantes, mas não em relação às mulheres. Oprojeto do diaconato feminino ainda está em “banho-maria”, e não acho que possa sair do papel e das reuniões em que as mesmas coisas são discutidas eternamente.

Papa rejeita a palavra feminismo, o termo “relações de gênero”, o termo “hermenêutica feminista” da Bíblia, patriarcado e outras mediações importantes para a teologia da libertação feminista.

Ele acredita que se deve desenvolver uma teologia para as mulheres, o que é uma enorme ingenuidade em relação ao que já fizemos em meio século de atividades em diferentes partes do mundo. Acredito que as mudanças têm que ocorrer nas comunidades, nos bairros, nas vidas diárias das pessoas antes de aparecer na forma de decretos do Papa ou de algum bispo.

Uma Igreja onde as mulheres não estejam em igualdade com os homens pode entrar em diálogo com a sociedade contemporânea?

Eu acho que há uma enorme dificuldade em entrar em diálogo com os problemas do mundo atual. E isso, em partes, porque a Igreja hierárquica, aquela que exerce autoridade sobre as comunidades católicas, pensa que a mensagem do Evangelho é um pacote fechado que eles têm que entregar aos fiéis.

Não abrem as portas para pensar sobre o legado de Jesus para o mundo atual a partir de uma ética plural, mas ao mesmo tempo centrada no amor e no respeito pelas pessoas. O sucesso da Igreja, com raras exceções, ainda está no devocionismo em massa, nos milagres, nos santuários, isto é, naquilo que se expressa como uma religiosidade que se entrega para o consumo das pessoas.

Eu não acho que isso é muito educativo, principalmente hoje em dia. Só acompanha as necessidades de um povo órfão de líderes e de cuidado de uns com os outros. Uma aldeia em que a fome de paz e de saúde leva quase necessariamente a esperar de forças sobre-humanas o que as forças terrestres poderiam oferecer.

Infelizmente, o Papa continua criando beatos, santos e santas, talvez até mesmo obrigado por forças conservadoras que o cercam. Mas não me parece um bom caminho para o crescimento da responsabilidade coletiva em um mundo cruel como o nosso.

Ultimamente, você tem abordado temas relacionados à ecoteologia. O cristianismo deve enfrentar esta dimensão como um aspecto fundamental de reflexão?

Tenho trabalhado com algumas questões de ecoteologia, mas em uma linha filosófica ecofeminista, a partir da qual insisto na interdependência de todas as coisas. Isso certamente requer uma leitura interessante da Bíblia e um fazer teológico diferente.

Penso que a teologia atual de nossas igrejas apenas conserta as coisas. Em outras palavras, inclui um tema atual em uma estrutura teológica do passado, como se não fosse necessária uma revisão de conceitos.

A Encíclica Laudato Si ‘ tem ajudado nessa visão teológica? Há mais consciência da importância da reflexão sobre estas questões a partir dela?

Encíclica Laudato Si’ me parece um documento com informações importantes sobre questões relacionadas à ecologia e, especialmente, às questões climáticas, mas sua teologia é inadequada.

Em outras palavras, sua teologia não reúne os apelos que a própria Encíclica afirma que são realizados no mundo hoje. Há uma lacuna e um choque de discursos dentro do próprio texto.

Temos um longo caminho a percorrer e todos os dias é necessário dar os passos possíveis.

Obs: A autora é  escritora, filósofa e teóloga 

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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