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Ele compunha, tocava e cantava e falava de mar, de lua, de trem e de amores, perdidos, achados, amados enfim.

Seu olhar, claro como o dia, sorria tímido, como tímido era o sorriso que se esboçava em sua boca ávida por anunciar um novo dia chegando, querendo acreditar que ele iria raiar, só porque sua cantiga anunciou.

Foi assim que, lá pelos idos de 1966, assisti deslumbrada, no alto dos meus 11 anos, a um jovem meio sem jeito, cantar e encantar a todos que ouviam a banda passar. Olhos grudados na TV, tão em preto e branco quanto o retrato que o maestro soberano ajudaria a colecionar um pouco mais tarde, vi as imagens do Festival de Música Popular Brasileira invadirem as casas e os corações dos brasileiros que torciam por suas músicas preferidas, aprendiam as letras e cantavam, todos juntos, como um coro gigantesco ecoando Brasil afora, pra ver a banda passar, tocando coisas de amor.

Pedro Pedreiro esperava o trem, enquanto ninguém chegava do mar. Mas e Cristina, será que ela volta? Talvez fosse no nó de marinheiro de Nicanor que Carolina pensasse, com seus olhos tristes e por isso, não visse o tempo passar por sua janela, que bem poderia estar ao lado de Januária, pra onde o sol apontava.

Um tempo que foi construído tijolo por tijolo em um desenho mágico, esperando o carnaval chegar, mas, ao contrário do velho que deixou a vida sem bagagem, aquele moço de olhos vivos escreve a sua história e a história de seu tempo, cantando a vida, sendo cada música ela própria, uma história.

Um tempo que foi passando e o moço acompanhando, de dentro do bonde da história, porque este, ele nunca perdeu.

Exilado, sabia que voltaria para o seu lugar, para ouvir de novo a Sabiá. De lá, pediu perdão por uma omissão que nunca teve, sempre presente aos mais importantes momentos da luta pela redemocratização do país, denunciando, com graça e poesia, as mazelas de um povo cerceado, amordaçado, que sofria com a tortura, com a miséria, com o atraso.

Perseguido pela censura, dava asas à imaginação e, de uma forma ou de outra, conseguia burlar a pouca “inteligência” reinante à época da ditadura militar.

Político, cronista, amante, trovador, malandro, assim foram divididas as suas canções em uma coleção de cinco CDs, lançados há alguns anos. Mas nem de longe, esta coleção, ou esta classificação, fez jus ao talento, à criatividade, à poesia deste grande artista.

Algumas músicas de Chico, são verdadeiras pérolas, de simetria, de musicalidade, de conteúdo. O fato de ser filho de um historiador, com certeza contribuiu para que em suas letras, encontremos pedaços da cultura do povo brasileiro.

Chico escreveu valsa, samba, baião, frevo, opereta, música popular brasileira da “melhor qualidade”, como costuma dizer uma amiga minha. Cantou o amor em “língua de criança”, cantou para as irmãs, homenageou a família, os compositores e cantores e cantoras brasileiros, compôs versos que podem ser cantados de frente para trás, dispostos livremente, de acordo com a preferência de quem for cantar. Homenageou o operário da Construção. Homenageou, ao mesmo tempo que denunciou como vivem os menores abandonados, o adolescente levado ao crime, o emigrante nordestino, e os moradores das ruas . Cantou ao amor eterno.

E os sonhos? Alguém terá cantado com mais propriedade?
Declarou em versos e música o amor à sua mulher e à filha que ia chegar. Cantou as filhas e o neto.

Fez versões, traduziu escreveu peças musicais.
Misturando poesia e denúncia, amor e saudade, alegria e tristeza, Chico vem dando o seu recado, ao longo de todos esses anos de carreira. E olha que lá se vão cinco décadas. E teve dezenas de parceiros maravilhosos, maestros soberanos, poetinhas e muito mais.

Menestrel, trovador, romântico, contestador, subversivo, qualquer que seja o estilo, qualquer que seja o parceiro, qualquer que seja a fase, a obra de Chico é inigualável.

Mesmo que não lance discos com a frequência, que faça um show por década, nada disso tem importância. Porque Chico não é um artista que precise ficar compondo freneticamente para não perder os fãs.

Chico não é para ser simplesmente ouvido ou cantado. É para ser apreciado e, por que não dizer, degustado?

As letras de Chico Buarque, são como um vinho de safra especial: têm que ser sorvidas com calma, saboreando cada palavra, deixando-se inebriar por elas, descobrindo o prazer que elas proporcionam ao ouvido e à alma… como o “sol que ensolarará a estrada dela, a lua alumiará o mar”, há que se deixar invadir.

E quando a gente pensa que ele não vai ter mais nada de novo para mostrar, surge Cantiga, música que, apesar de causar polêmica e discussões fervorosas, é, antes de qualquer coisa, uma belíssima poesia.

O novo disco Caravanas é romântico e, ao mesmo tempo, irreverente, como a música que dá título ao disco. E, mais uma vez, Chico dá o seu recado, regravando Duetos com a neta, colocando letra na música do neto e, como sempre, esbanjando talento.

Este é Chico: genial, talentoso, único e generoso, tão generoso que distribui com o mundo o seu talento. E nós ficamos aqui, torcendo para que Recife não demore a receber Caravanas.

Ah! E não é que eu já ia me esquecendo: Acorda amor, é o Julinho da Adelaide.
Mas isso, já uma outra história.

Obs: A autora é  jornalista, blogueira e Assessora de Comunicação do IDHeC – Instituto Dom Helder Camara.
Imagem enviada pela autora.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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