Um fato está lá entalado na década de setenta: num encontro de conversas regadas a cerveja, num sítio, na saída de Itabaiana, na estrada velha de Campo do Brito, o filho do morador, com dois ou três anos, enfiado no meio dos presentes, ganhou do dono da propriedade, e, portanto, patrão de seu pai, uma azeitona. Silenciosamente, a manteve na mão. Nenhum argumento o convenceu de degluti-la. Talvez tivesse respeitado a beleza do presente e se sentisse sem coragem de destruí-lo. Eu estava no meio dos que bebiam, mastigavam e conversavam. Vi, observei, gravei.

Quase vinte anos depois, o outro fato. Desta vez em Portugal,  na primeira vez em que por lá pisei, quando vi uma oliveira. Viajava, em excursão, de Lisboa para Coimbra. Numa parada, em lanchonete de beira de estrada, Cristiane me apontou para a oliveira a uns dez metros adiante. Lá estava o arvoredo, com seus três metros de altura, folhas bem esverdeadas, parecendo murta. Fui em sua direção, emocionado, em busca de ver uma azeitona, uma simples azeitona, para minha curiosidade se tornar maior. Encontrei muitas, mas pequenas, ainda em crescimento, e, como registro, para fins históricos, me deixei fotografar ao lado do oliveira, com uma minúscula azeitona nas mãos.

Um outro fato, depois, anos e anos após, em outra viagem, dirigindo uma van em terras lusitanas, estacionei o veículo ao lado de um restaurante, em alguma vila perto de Coimbra. Ao fechar a porta, observei alguns galhos da árvore, que invadiam o carro, e só aí fui observar que era uma oliveira, e, para relembrar a primeira que tinha vista, também estava cheia de pequenas azeitonas, ainda em fase de crescimento.

E aí veio a mente o primeiro fato, na Itabaiana de décadas atrás, o do menino agraciado com uma azeitona, o olhar para todos, a boca fechada, a acompanhar a conversa que se operava, com a azeitona na mão, aliás, excelsa azeitona que o menino recebeu e permaneceu com ela em mãos, como se fosse um troféu, precioso troféu, merecendo a honra de vida longa, diferente do destino das demais azeitonas, que o pessoal ia devorando.

Não sei quanto tempo a azeitona permaneceu em suas mãos, nem se o menino chegou, enfim, a devorá-la, ou se acabou jogada fora, como um brinquedo que não tinha mais graça. Da cena só guardei a sua imagem, em pé, ao lado dos adultos sentados, e nas mãos, bem, nas mãos, a azeitona.

O certo é que a emoção foi idêntica, a do menino e a minha. No caso dele, uma criança, no meu, um adulto já maduro, na primeira vez que colocava os pés fora do Brasil. No meu, confesso, nada balançou tanto meu coreto como a primeira oliveira com que me deparei. Nem, depois, no Porto, ante as parreiras a se debruçar sobre os jardins de algumas casas, na praça onde a estátua do Infante D. Henriques foi fincada, e, após, em Quinchães,  vila de Fafe, ao redor da casa onde meu sogro nasceu e foi criado, vendo as parreiras de um lado e de outro, passando por cima da estrada, ligando duas casas,  as uvas ganhando forma.  Nem quando, indo de Coimbra para Santarém, vi um monte de sobreiro na planície, alguns apresentando a marca da retirada da cortiça, destinada a fabricação de rolhas. Nada se igualou a cena da visão da primeira oliveira.

A diferença entre a emoção do menino e a minha é que este, hoje, com quase trinta anos, talvez nem se lembre mais da maneira respeitosa com que segurou a azeitona, enquanto eu tento fixar a minha nestas linhas, para que o fato se torne maior e possa eternizar a sensação, misto de entusiasmo e curiosidade, que me invadiu no momento em que, pela primeira vez, vi uma oliveira. (05.05.2012)

Obs: Publicado no Correio de Sergipe
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Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras.   
  

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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