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Michael foge, com seu irmão mais novo, para uma pequena cidade rural onde tenta recomeçar longe do seu passado que ainda o assombra. Enquanto esconde seu irmão em um hotel barato, o jovem trabalha em uma loja de conveniência, onde tudo parece seguir na mais perfeita ordem. Dessa mistura de passado e presente vem à tona um final arrebatador e surpreendente, onde nada é o que parece ser. Tim McCann prova com o filme “Marcas de um Passado” que o presente pode estar repleto do ausente.
Com o imperativo “O que vos digo, digo a todos: vigiai!” (Marcos 13, 33-37), Jesus termina mais um discurso. Mas o que significa concretamente “vigiar”? Sartre em seu livro “O Ser e o Nada” nos oferece um exemplo simples que pode nos levar a uma compreensão profunda do pedido feito pelo Cristo. Eu marco um encontro em um bar com um amigo chamado Pedro. Chego ao local com quinze minutos de atraso e sei que Pedro é pontual em seus compromissos. Imediatamente sobrevoo o local com meus olhos. Neste movimento do olhar, tudo no bar se torna um “pano de fundo” e Pedro é a presença, o foco de minha atenção. Apesar de não encontrar o amigo, todo o resto não possui significado e muito menos apreende minha atenção. Em outras palavras, neste momento, tudo, objetos e pessoas (conhecidas ou não), são “nadificadas” pela minha mente. Tudo se torna um nada, enquanto que o único ser é Pedro. Vamos supor que chego à conclusão que Pedro não se encontra mais no local, eu tomo lugar em uma mesa e na sua espera começo a prestar atenção livremente em tudo que está ao meu redor. A partir deste momento, as coisas e pessoas que eram nadificadas, do nada se transformam para mim em determinados objetos e pessoas com características como beleza, feiúra, simpatia, estranheza, etc. Com este exemplo, Sartre nos alerta que tudo depende da direção de minha atenção, ou seja, de minha consciência. O grande problema para o ser humano é que ele já nasce e é educado a ser e a viver “em situação”, a estar mergulhado em uma atmosfera social e cultural que direciona sua atenção para determinado foco. Isso faz com que ele não tenha a liberdade de ver e experimentar as situações com uma atenção vigilante, mas uma atenção condicionada. Coisas simples do cotidiano como o despertador para o trabalho ou estudo, cartazes, comerciais de televisão, formulários de impostos, convenções sociais, preceitos religiosos, etc, condicionam nossa atenção de tal forma que desaprendemos a ser atentos e estamos condicionados a fazer as coisas e julgar as situações automaticamente. Vivemos em um mundo imediato que cria e recria em nós uma consciência irrefletida e irreflexiva. Nosso ser está imediatamente “em situação”. Desta forma, não fazemos um juízo próprio das situações e agimos conforme forças externas desejam que venhamos a agir. O despertador me alivia de uma decisão ética: ficar na cama ou ir ao trabalho. A moda me alivia de uma verdadeira escolha sobre o que vestir. Convenções sociais e preceitos religiosos me retiram a responsabilidade de escolher meu estilo de vida. A economia de mercado me condiciona a viver segundo o capital e a consumir muitas vezes o que não preciso.
O “vigiai!” de Jesus é uma atitude de ir “além do mundo”, do mundo escolhido para nós, mas que não foi escolhido por nós. Vigiar significa descondicionar nossa atenção e começar a ter uma atenção vigilante como se estivéssemos observando as coisas pela primeira vez. Este exercício nos faz trazer do “mundo do nada” aspectos da vida que podem ser importantes para todos nós. Existem aspectos de nossa vida que foram nadificados e que precisam ser descobertos pela nossa atenção. Este é o exercício do “vigiar”. Nossa missão é desenvolver um olhar crítico sobre a realidade para que possamos realmente viver, caso contrário estaremos sendo e vivendo não como realmente gostaríamos e estaremos também desperdiçando a oportunidade de eternizar nossa vida dando um sentido a nossa passagem por esta existência. É preciso sim procurar o “amigo Pedro”, mas é necessário também olharmos ao redor e perceber o que se tornou um “nada”.