Começou o ano novo e eu, de imediato, mudo de idade. Não é que tenha nascido em primeiro de janeiro. Em absoluto. Quem assim o fez foi meu pai, cuja data se tornou fácil de ser memorizada. Eu nasci em abril, mas desde o raiar do ano já acrescento um número a mais na minha idade, para ir me acostumando a alteração oficial que o mês de abril me proporciona, quer eu queira, quer não. A idade é imposição da vida. Não adianta o homem pintar o cabelo de preto, nem esticar a pele em cirurgias plásticas, para ficar com o rosto bem liso, sem rugas, como se tivesse passado ferro em roupa de linho. A idade corre para todos, pobres e ricos, honestos e ladrões, bonitos e feios, acusadores e réus na lava-jato. Por isso, é só o relógio marcar um segundo do dia primeiro de janeiro e eu já me considero de idade alterada e aumentada. Antecipo, assim, o meu aniversário natalício pegando punga na festa do raiar do ano.

A proclamação de data nova não é atitude de toda a vida. É conduta nova, brotada quando o peso dos meses de abril, passados e vividos, começou a acentuar, exibindo seus tentáculos na cor preta do cabelo que desapareceu para dar lugar a um branco que faz criança de colo me chamar de vovô, o cabelo – vítima mais visível do tempo – a cair vertiginosamente, a pedir proteção de chapéu na travessia de percursos em momento de sol forte, as bolsas que fizeram morada debaixo dos olhos, as rugas que começam a esculpir traços no rosto a mostrar no espelho a influência dos anos que a idade acumula.

Não pinto o cabelo de preto, dele não faço implante, não me submeto a cirurgia plástica, nem condeno quem assim o faz. Deixo o volume dos anos dançar e impor seus reflexos no que ainda resta de cabelo, e, daí, na sua cor, como permito que as marcas da idade se desenvolvam no rosto, certo de que o amanhã a paisagem continuará avançando com a mesma força devastadora, porque não há remédio que segure a investida do tempo. Tudo é consequência da idade vivida. O importante é estar de bem com a vida, sair da cama de manhã cedo com a alegria de viver mais um dia, e, com a mesma alegria, jogar o corpo à noite na cama, na esperança de, no dia seguinte, estar aqui ainda, perturbando o leitor com minhas considerações, hoje, de filósofo de começo de ano.

E a idade?, ah, sim, a idade é um número, uma data, em suma, um detalhe .(07 de janeiro de 2017.)

Obs: Publicado no Correio de Sergipe
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Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras.   

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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