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A Alberto da Cunha Melo

Século vinte e um, a que vens?
se vens em paz, és bem-vindo,
mas tens o aspecto belicoso
dos homens iludidos
pelos brilhos fugazes.

Ursos ancestrais, também ferozes,
já não vivem, século,
e não te deverias deixar conduzir
tão cegamente pelas rapinantes águias.
Antes proveitarias se te fizesses herbívoro
e melhor apreciasses a carícia do vento
em teus gramados, cerrados e campos.

Se não trazes a paz, grandíssimo blefe
és, século, logo tu em quem
tantas esperanças foram depositadas.
Ousarias enganar os tão fatigados
humanos? Tua numerologia,
teus felizes vaticínios, de tudo
farias pouco caso, século?

Se assim for, mais digno seria
não teres vindo, haveres desviado-te
talvez rumo a Andrômeda,
àquelas lonjuras pouco imagináveis
onde teu pai Cronos concede licenças
ao tempo para fletir-se, onde são
inúteis os relógios, risíveis os calendários,
lá nos infinitos Hades onde as dimensões
ora se comprimem, ora se expandem.

Somos apenas homens e mulheres, século,
e aqui na bela Gea vivemos e confiamos.
É nosso tributo acreditar, mais ainda em ti
que és criança. Não desmintas nosso sonho,
sê fiel, estamos cansados.
Deixemos no passado os cantos de guerra,
não mais queremos imperadores
nem precisamos de heróis.

Obs: Texto retirado do livro do autor – É Lenta a Palavra Tempo –