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Em primeiro lugar e acima de tudo, Natal é celebração do dom da vida. E o melhor ambiente para celebrar esse evento/mistério de modo mais pleno e original é a família. Naturalmente, para que ela seja de fato o melhor lugar, deverá haver condições favoráveis e preparação para isso.
Porém este tempo é um prato cheio para o comércio. Por conta da mercantilização da festa, o sentido cristão do Natal fica ofuscado, quando não ignorado. Vende-se e compra-se de forma obsessiva. Nem os anjos, nem São Nicolau (que virou Papai Noel) escapam desse enrosco. Eles não agüentam mais serem vendidos como enfeites e bugigangas, como se fossem utensílios substitutos da felicidade, da paz e do próprio Jesus.
Tempo para refletir
Já se vai muito tempo desde que José e Maria deslocaram-se de Nazaré a Belém da Judéia a fim de participar de um recenseamento geral. A ordem fora dada pelo imperador Augusto e devia ser cumprida. Maria estava grávida e, daquela gravidez, nasceria o menino Jesus. Ele seria grande e reinaria para sempre sobre os descendentes de Jacó (Lc 1, 32-33).
No momento de maior necessidade, contudo, faltou solidariedade. A bem dizer, um retrato clássico da exclusão dos pobres em todos os tempos. Exatamente em Belém – cujo nome significa casa do pão – não houve acolhimento. O casal teve de se acomodar entre os animais. O fato é mundialmente conhecido, em contradição com o que veio anunciar aquele Menino que nos foi dado. Em breve, celebraremos outra vez a memória do nascimento do Salvador. Natal é festividade que comemora o ingresso de Jesus em nossa história. De repente, Deus irrompe no meio da gente a fim de nos revelar de forma humana e objetiva seu jeito de ser. Um mistério de fé que suscita esperança e recobra nosso compromisso.
Para compreendermos o significado mais profundo deste evento é necessário que nos deixemos engravidar pelo mesmo espírito que animou Maria e José na luta em defesa da vida. Por outro lado, é sempre bom recordar a conjuntura sociopolítica na qual Jesus veio a este mundo. É importante dar-se conta de que a exclusão não é um episódio acidental e nem um fenômeno restrito a uma ou outra época ou espaço.
Na lógica capitalista, o presépio e o templo se modernizaram. Neles são entoados efusivos hinos do tipo: “Viva o mercado global e paz na terra aos homens de boa capacidade econômica”. Outros cantam: “Paz a todos os que conseguem salvar-se do atentado, do assalto, do seqüestro, da competição, do fanatismo religioso, das discórdias familiares, dos abortos irresponsáveis, das Tropas de Elite, do estado de mal-estar social, das doenças velhas e novas, da fome, da falta de perspectivas de futuro, da solidão” etc.
Na sociedade de mercado em que vivemos, tudo tende a virar mercadoria. O sistema decretou que só 20% da humanidade têm direito a viver com dignidade porque podem comprar o que desejam. Enquanto isso, o Menino de Belém sofre hoje nos rostos de tanta gente, como afirmaram os bispos em Aparecida (DA 65). E disseram que, no atual modelo de globalização, os excluídos não são somente explorados, mas tratados como supérfluos e descartáveis.
Nesse contexto, o Menino segue por aí. Sobrevive a duras penas na pessoa de milhões de excluídos. Apenas sobrevive! Migra e vagueia por todo o lado. Foge da morte para a morte. É superexplorado, prostituído, humilhado como um escravo pós-moderno, sem trabalho, sem salário, sem passaporte, uma não-pessoa. O Menino está ali apesar de todas as perversidades arcaicas ou pós-modernas.
Celebração familiar
A família é o espaço, por excelência, para a celebração do Natal porque o Menino chamado Jesus nasceu em uma família. Nós também nascemos, fomos envolvidos e, em geral, vivemos em núcleos familiares. Jesus, em suas pregações, ressaltou de diferentes modos a importância da família. Contudo observou que sua verdadeira família é quem faz a vontade de Deus (Mc 3, 35).
No Natal é fundamental cada um valorizar sua família particular. Porém não significa que se deva esquecer os outros, especialmente os mais pobres e excluídos. Natal é apelo de justiça, paz e solidariedade. Portanto implica também fortalecer o desejo de lutar por uma sociedade mais igualitária, onde todos tenham condições de vida digna.A verdadeira felicidade não se faz à base de mercadorias e presentes. Tornemo-nos – isto sim – nós mesmos o maior presente para nossa irmã e nosso irmão. Aproveitemos o tempo do Advento e do Natal para exercitar o diálogo, as expressões de fraternidade e ternura na família, na comunidade e na sociedade, atitudes que coroam esse acontecimento com seu peculiar sentido!
Texto publicado no jornal Mundo Jovem, edição nº 392, novembro de 2008, página 5.
Obs: O autor é Doutor em Sociologia, pós-doutor em Educação e professor da Universidade Federal do Sul da Bahia